Mia Couto apela a uma maior cooperação entre Portugal e Moçambique
O escritor moçambicano Mia Couto apelou ontem, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a uma maior cooperação entre Portugal e Moçambique e defendeu a importância de uma identidade plural moçambicana.
Para o escritor moçambicano, que participou na sessão de abertura da conferência sobre os "50 Anos da Literatura Moçambicana: Percursos e Práticas Criativas", ser escritor nos dias de hoje "é o mesmo desafio em todo mundo", que "não está feito para a poesia", sendo essa "uma espécie de um lugar de esconderijo, (...) uma pequena fratura numa grande muralha".
Os "tempos de hoje, são tempos muito feios, muito conturbados", sublinhou o escritor.
O autor de "Terra Sonâmbula" lamentou a forma como Portugal e Moçambique lidam com o seu passado cultural.
Mia Couto usou o exemplo do toureiro Ricardo Chibanga, uma figura moçambicana histórica, o primeiro toureiro africano, para ilustrar este "esquecimento mútuo", observando que "os portugueses conhecem mais este moçambicano" que os próprios.
Além do toureiro Chibanga, o escritor recordou "os mestiços do Sado", comunidade africana que se instalou na região alentejana no século XVI, o jogador de futebol Eusébio e a canção "Uma casa portuguesa", interpretada pela fadista Amália Rodrigues, que foi escrita em terras moçambicanas.
"Por que não revisitamos e fazemos isso juntos? Por que nós não - nessa busca desse passado comum - vamos construir um futuro mais comum entre nós, Moçambique e Portugal?"
O escritor defendeu que as conferências não podem ser eventos que terminam em "quatro paredes fechadas", mas devem criar um futuro e uma mudança no mundo real, nomeadamente através da recuperação e valorização dessas histórias partilhadas.
Segundo Mia Couto, é importante haver uma identidade moçambicana mais plural, sendo que essa "não tem uma fronteira tão definida como a gente pensa", o que não é um problema, mas algo rico.
"Estas identidades são sempre plurais. Nós temos sempre qualquer coisa dentro de nós, que vem de um outro lugar, de uma outra cultura. Mas isso não acontece simplesmente espontaneamente", acrescentou.
Face a uma presença muito forte de africanos em Portugal, o escritor confrontou o discurso da "extrema-direita, que está muito assustada com a presença de gente estranha na Península Ibérica e na Europa", lembrando que a diversidade não é um fenómeno recente e que remonta aos anos 1500 e tal, quando 10% da população em Lisboa "era gente negra, era gente que era vinda do Norte de África, que eram berberes, que eram árabes" e apontando para aqueles "que querem construir isso como um motivo de medo" e ignoram a história do seu próprio país.
A conferência sobre os "50 Anos da Literatura Moçambicana: Percursos e Práticas Criativas" realiza-se no âmbito dos 50 anos das independências, sendo que Moçambique se tornou independente a 25 de junho de 1975.