DNOTICIAS.PT
Crónicas

PIB e Raiva

O que mais vemos na ALRAM e com periodicidade quase mensal, são loas ao crescimento há não sei quantos meses e o PIB a crescer

1. Não tenho tido tempo para fazer muito do que fazia antes de ter ido para a ALRAM. Tenho lido menos e visto menos cinema e séries. Aquando da minha ida a Lisboa na semana passada, procurei por uma série. Baixei “O Problema dos Três Corpos” na Netflix para poder ver no avião. Fiquei preso a adaptação do aclamado romance de ficção científica homónimo, de Cixin Liu, chegou aos ecrãs.

A trama, complexa, prende a atenção do espectador com os seus mistérios e reviravoltas inesperadas. A série explora temas como a relação entre a humanidade e a tecnologia, o contacto com civilizações extraterrestres, destino da Terra, as alterações na natureza que esta época do Antropoceno provoca.

Da responsabilidade dos criadores da versão de “A Guerra dos Tronos”, presenteia-nos com um “design” de produção de alto nível, efeitos visuais impressionantes que dão vida às complexas teorias científicas da história. Desde a desolada superfície de Trisolaris até a megalópole futurista de Pequim, a série transporta-nos para um universo de tirar o fôlego.

E fala, muito, da única coisa que nos pode derrotar: o medo!

2. O que mais vemos na ALRAM e com periodicidade quase mensal, são loas ao crescimento há não sei quantos meses e o PIB a crescer.

A actual obsessão com o Produto Interno Bruto (PIB) como marco de progresso económico conduz a uma visão redutora, e muitas vezes enganadora, do que constitui verdadeiro desenvolvimento. Tenho para mim que a valorização excessiva do PIB como indicador de sucesso económico, deixando de lado os desequilíbrios sistémicos, capazes de elevar essa métrica no curto a médio prazo, esconde aspectos críticos como a sustentabilidade e o bem-estar a médio e a longo prazo.

No centro da análise encontra-se a problemática dos investimentos governamentais mal orientados, particularmente visíveis em projectos de infraestruturas de grande escala, muitas vezes escolhidos mais pelo seu impacto visual e benefício político do que pela verdadeira necessidade, e que podem, efectivamente, proporcionar um impulso temporário do PIB através da actividade económica que geram. No entanto, esta estratégia ignora se os recursos, frequentemente escassos e valiosos, estão sendo utilizados para maximizar o bem-estar comum e a promover um desenvolvimento sustentável. A distribuição ineficaz de recursos sublinha uma falha significativa na equação que associa o aumento do PIB a um progresso económico genuíno, ao desconsiderar os investimentos em áreas cruciais como a educação, saúde, por exemplo, que proporcionam benefícios mais significativos e duradouros para a sociedade.

Subsídios a indústrias ineficientes constituem outra manifestação de como as políticas económicas podem distorcer o PIB. Ao manter artificialmente a competitividade de empresas e sectores que, de outra forma, não sobreviveriam no mercado, os subsídios não apenas perpetuam a ineficiência económica, mas também desencorajam a inovação e o realinhamento dos recursos para sectores mais produtivos. Este cenário sustenta um crescimento do PIB que é insustentável a longo prazo, pois desvinculado da real capacidade produtiva e inovadora da economia.

Na saúde pública, o aumento dos gastos reflectido no PIB pode não se traduzir em melhorias reais na qualidade de vida. Sistemas de saúde que privilegiam tratamentos dispendiosos e reactivos em detrimento da prevenção e cuidados primários, podem ver os custos aumentar sem um ganho proporcional na saúde da população. Este desalinhamento, entre despesas e resultados efectivos, destaca a inadequação do PIB como medida de bem-estar e progresso, sublinhando a necessidade de adoptar métricas mais integradas que contemplem a qualidade e eficiência dos serviços prestados à comunidade.

A corrupção e a má governança agravam estas ineficiências, desviando recursos para projectos desnecessários ou inflacionados, não só elevando artificialmente o PIB, mas também comprometendo a confiança nas instituições e minando o crescimento económico. De notar que o impacto da corrupção estende-se para além dos desvios financeiros, afectando negativamente o ambiente de investimentos e a eficácia da governação.

A dependência de combustíveis fósseis evidencia ainda outra dimensão deste problema, onde estratégias de curto prazo fomentam um crescimento económico que ignora as suas consequências ambientais e sociais. Persistir num modelo energético baseado em recursos não renováveis e poluentes eleva o PIB no curto prazo, mas coloca um peso insustentável no ambiente e na saúde pública, comprometendo a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas necessidades.

Torna-se imperativo reconhecer as limitações do PIB como indicador de progresso económico e procurar alternativas mais abrangentes que reflectem não só a actividade económica, mas também a sustentabilidade, equidade e bem-estar geral. Métricas como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Progresso Genuíno (IPG) e o Índice de Bem-Estar Económico (IBE) oferecem uma visão mais detalhada e completa do desenvolvimento, enfatizando a importância de um crescimento que seja quantitativo e qualitativo.

Medir factores como a distribuição das horas de trabalho, a produtividade, os níveis de “stress”, a segurança nas suas múltiplas valências, o acesso ao lazer e à cultura, a qualidade ambiental, determinar causas de precariedade, avaliar a erosão de valores sociais e culturais, verificar a diminuição da solidariedade, desigualdade e marginalização, falta de oportunidades, causas de imigração, desfavorecimento, negligência social, etc.

A adopção desses indicadores, com políticas que abordem as ineficiências e promovam a inovação, eficiência e justiça social, é essencial para assegurar um futuro económico que seja verdadeiramente próspero, sustentável e inclusivo.

3. Temos de andar por aí com muita atenção. A polarização do momento em que vivemos é propícia a modos de estar na política apoiados na raiva, na distorção e na mentira.

Nos dias que correm somos testemunhas de uma estratégia altamente preocupante: a manipulação da raiva como arma política. Andam por aí uns quantos que, na sua busca implacável pelo poder, recorrem a uma táctica tão antiga quanto perigosa, explorando a raiva e o ressentimento para galvanizar apoios. Este jogo ardiloso não é apenas deplorável; é um ataque directo às fundações da democracia e do debate civilizado.

Em vez de promoverem políticas baseadas em argumentos racionais e em benefício de todos, estes manipuladores optam por inflamar divisões, apostando na ira como moeda de troca. Pintam quadros distorcidos da realidade, criando inimigos imaginários para justificar as suas acções e polarizar ainda mais a sociedade. Esta abordagem não só degrada o discurso político, mas também mina a confiança nas instituições democráticas, colocando em risco o tecido social.

A raiva, é uma emoção humana legítima, mas torna-se, neste particular, numa ferramenta perigosa nas mãos de quem assim faz política. É utilizada não para apontar injustiças ou inspirar mudanças positivas, mas para obscurecer a verdade e manipular sentimentos. Este é um jogo perigoso que alimenta ciclos de ódio e de vingança que são difíceis de quebrar.

A utilização da raiva como arma política é uma confissão de falência moral e intelectual. Revela uma incapacidade ou indisposição para o envolvimento em debates significativos, preferindo em vez disso o caminho da demagogia. Esta estratégia não só desrespeita a inteligência do eleitorado, mas também o compromete com uma visão do mundo fundamentada no conflito e na divisão, em vez da busca de soluções comummente para os desafios comuns.

A longo prazo, os danos serão incalculáveis. Erode-se a confiança, não apenas nos políticos que empregam tais estratégias, mas em todo o sistema. O tecido democrático, construído sobre o diálogo, a tolerância e o respeito mútuo, é esticado até a um ponto de ruptura.

É vital, portanto, que se reconheçam e rejeitem todas as tácticas de manipulação. A responsabilidade recai sobre cada um de nós, somente assim podemos superar a divisão e trabalhar juntos para enfrentar os desafios reais que enfrentamos.

4. “Antes de embarcares numa viagem de vingança, cava duas sepulturas” - Confúcio