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As contas de barqueiro

Maria Virgínia Mendes não sabia escrever e tinha uma mercearia no sítio do Espigão, Ribeira Brava

A necessidade aguça o engenho

Pelo menos até aos anos setenta do séc. XX, grande parte da população não sabia ler e escrever. No entanto, muitos cidadãos trabalhavam, compravam e vendiam produtos ou serviços, necessitavam de fazer contas. Por este motivo, tiveram que inventar sistemas de símbolos para representar o dinheiro.

Contas de barqueiro

Assim aconteceu, por exemplo, com os pescadores que vendiam o peixe na lota e tinham que dividir o dinheiro conforme os quinhões pela companhia de cada barco. O senhor Joaquim Gonçalves Tomé, conhecido por Coco, pescador e dono de um barco de pesca no Calhau da Lapa, freguesia de Campanário, e outros familiares, fizeram estes símbolos, a meu pedido, para mostrar como, antigamente, os pescadores representavam o dinheiro nas suas contas.

Outros utilizadores

Os condutores de camião de mercadorias; pequenos comerciantes; os que distribuíam bordados, e outros cidadãos, quando não sabiam escrever e tinham que fazer contas, utilizavam também um sistema de gráficos idêntico às contas de barqueiro.

No sítio da Porta Nova, Campanário, um dos donos da mercearia da Ponte, chamado Neto, não sabia ler e escrever. Sempre que ele vendia fiado, fazia gráficos e traços atrás da porta, de modo que ele sabia as pessoas que compravam fiado e quanto deviam. Não consta que alguma vez se tenha enganado nas contas.

Contas de mercearia

Maria Virgínia Mendes não sabia escrever e tinha uma mercearia no sítio do Espigão, Ribeira Brava. Ela utilizava um sistema de linhas, pontos e círculos para representar o dinheiro. A 27 de junho de 2008, eu e um amigo João de Abreu Gonçalves (Cambrinha) fomos àquela mercearia no sítio do Espigão, pedimos à senhora Virgínia que nos explicasse como fazia as contas na mercearia. Estes são alguns desses símbolos, que esta senhora fez na nossa presença (referem-se ao escudo, mas o mesmo sistema foi adaptado para euros):

Era da informática

No início deste mês de março de 2024, desloquei-me à estação da CP em Faro para reservar uma viagem de comboio para Lisboa. Não consegui a reserva porque o sistema informático estava em baixo. Esta situação acontece por vezes, há serviços que paralisam se não há rede de internet, ou se ocorre alguma avaria no computador. Antigamente, porém, como se vê acima, até quem não sabia ler e escrever desenrascava-se, pois a necessidade aguça o engenho.