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O fascismo não é um conto de fadas

Assiste-se nos dias de hoje a uma tentativa de reescrever livros, História e estórias, para “adequá-los ao presente” e torná-los “politicamente corretos”. Diz-se que na próxima versão do Bambi a morte da mãe será apagada ou suavizada porque “as crianças estão mais sensíveis” – será que devemos protegê-las assim tanto? Também vão substituir os 7 anões da Branca de Neve por seres mágicos “para evitar ofensas a pessoas anãs” – será que serão interpretados por atores com nanismo, ou irão “praticar a inclusão” excluindo? Em histórias como a da Ariel, apesar de se mudar a cor da pele da Pequena Sereia, o enredo manteve-se inalterado, em que a personagem abdica de tudo para ficar com o seu príncipe. Noutros contos editados, manteve-se o moral da história e uma mensagem carregada de estereótipos e, por vezes, violência.

É perigoso querer editar a História, descontextualizando e romantizando acontecimentos de forma, por vezes, oportunista. Talvez por isso, quem nasceu após a ditadura em Portugal, nem sempre entenda a gravidade de viver sem direitos e liberdade. E seja apetecível para jovens que a mulher não trabalhe, cuide da casa e filhos/as, sendo dependente do marido, que trabalha fora. Alguns e algumas influencers propagam esta ideologia, referindo que a mulher “tem que se cuidar e estar sempre bonita e arranjada para o seu marido” – não para si, não para se valorizar, mas para agradar “o seu homem”. A tal da “bela, recatada e do lar”. Esta mentalidade patriarcal, e de que “no tempo de Salazar é que era bom” já corre na praça há muitos anos. A diferença é que agora tem porta-vozes públicos com muito tempo de antena.

Transitámos, há 50 anos, de uma Ditadura para uma Democracia, embora os direitos não tivessem sido conquistados do dia para a noite. É graças à tal da Democracia que, enquanto pessoa e mulher, posso: expressar a minha opinião sem receio de ser presa e torturada por isso; trabalhar, viajar e usar contracetivos sem precisar de autorização do marido; ser contratada e receber pelo menos um salário mínimo; usufruir do planeamento familiar; ter direito a uma licença de parentalidade, se for mãe; ter bens próprios e geri-los de forma independente; escolher media, livros e música, sem censura; estudar sem ser barrada por ser mulher; escolher uma carreira; votar livremente; ter a minha individualidade e liberdade. Nada disto era possível com o fascismo, no nosso país.

É preciso, também, que quem viveu naquela época partilhe com os/as jovens, de igual para igual, como foi viver em fascismo, percebendo que as preocupações de agora não são as mesmas, mas alertando que existem mais coisas em comum e em causa do que se pensa. Salientar a importância do exercício da cidadania, que é independente e vai muito além da política partidária. Se este trabalho não for feito, a informação diluir-se-á com o tempo – temo que isso já esteja a acontecer –, dando espaço à desinformação, que é, depois, aproveitada pelos populismos, especialmente em épocas de eleições como a que vivemos.

Muitas vezes, achamos que os nossos direitos são fixos e imutáveis. Mas não é isso que a História nos mostra, mesmo a mais recente. Quando há crises, os direitos humanos são os primeiros a sofrer ataques. Em particular, os direitos das mulheres. Sim, temos muito a melhorar, mas fizemos um longo caminho nestes 50 anos. A História tem que ser contada, sem a cosmética dos contos de fadas da Disney, para que não haja retrocessos e a Liberdade seja muito mais do que um ideal e uma palavra.