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Análise

Precipitações

Para desgosto dos que esperavam que, após estes dias de inabilidades gritantes, abordássemos o estado do tempo, impõe-se um diagnóstico severo a diversas precipitações, pois foram muitos os que, sem a prudência que se exige ou com irracionalidade crescente, denotaram aselhice política, ansiedade judicial e inveja provinciana. Uns foram irremediavelmente já humilhados na praça pública. Outros só podem esperar pelo pior.

Precipitaram-se os que dão como absolvidos os que continuam arguidos, mesmo que depois de inexplicável e prolongadamente detidos no âmbito da investigação judicial na Região, tenham sido postos em liberdade por um juiz que não encontrou indícios de corrupção em mais de uma tonelada de material probatório.

Precipitaram-se os que menosprezam a continuidade das investigações em curso e que relativizam a dedicação das sumidades momentaneamente postas em causa. Não é difícil prever que à tentativa de assassinato de carácter do juiz de instrução, se suceda a abundante publicação de escutas, sobretudo nos canais mais dados aos ajustes de contas, e eventualmente outras detenções. Como se sabe, isto não fica assim.

Precipitaram-se os que dormem com a Justiça e exibiram estranha azia por não verem, para já, sustentadas as teses que defenderam desde a hora em que a Madeira foi tomada de assalto. Seria mais avisado esperarem pelo efeito do recurso do MP e pela decisão do Tribunal da Relação. Foi manifesta a angústia partilhada em directo pelos beneficiários da papinha feita com antecedência, como aliás revelam as propriedades do documento word relativo ao inquérito NUIPC 264/21.6TELSB.

Precipitaram-se os que acharam que numa operação sem precedentes tudo foi imaculado, mesmo que vozes avisadas alertassem para a hipótese de terem sido cometidos erros colossais. E há muitos. A inquirição indevida do secretário regional de Equipamentos e Infra-estruturas, Pedro Fino, é apenas um dos mais badalados.

Precipitaram-se os que desvalorizaram a argumentação das partes, engrossaram as fileiras do julgamento popular, na presunção que o enxovalho público não terá consequências e ainda os que tentaram relativizar expedientes reprováveis, os mesmos que levaram o Director da PJ a dar explicações sobre a aparatosa operação policial. Afinal as comprovadas fugas de informação não são tão colaterais quanto isso.

Precipitaram-se os bipolares ávidos de reconhecimento e os hipócritas compulsivos, os mesmos que manifestam solidariedades em público, enquanto enviam mensagens privadas com ameaças e textos de autores desconhecidos que ousam subscrever, bem como os que tudo fizeram para comprometer a liberdade de informação, os que cuspiram no prato que lhes deu de comer e os que não publicaram esclarecimentos prestados em tempo útil.

Precipitaram-se os que julgam que as últimas semanas não foram pedagógicas. Servem de alerta. A tentativa de criminalização das amizades, e até do exercício do contraditório, para que só haja uma versão dos factos, não pode ser tolerada. A forma como os requintes de malvadez pululam e animam algumas hostes que salivam com a desgraça alheia, até que um dia o azar lhes bata à porta, é preocupante.

Precipitaram-se os que não revelaram a lucidez que se exige na hora de analisar os factos e os que até chegaram a admitir fazer tábua rasa da Constituição, bem como os que se agacham à República sem pestanejar, fiéis à inércia e à canga, pois durante todos estes anos de Autonomia foram incapazes de fortalecê-la, sem estar à mercê de cargos inúteis, de decisões colonialistas em diferido e de apreciações ignóbeis que recomendam “civismo” aos madeirenses.

Precipitaram-se os que se agarram que nem lapas às poucas bóias de salvação disponíveis e os que adiam decisões de grande impacto colectivo. Mesmo que seja legítima a estratégia de defesa de Miguel Albuquerque. Mesmo que haja destacados políticos que desconhecem o Estatuto da Região, os calendários eleitorais e até os regulamentos em vigor nos seus partidos. Mesmo que alguns contem com a enorme propensão popular para esquecer. Só que com amadorismos deste calibre é incontornável que a democracia corra perigos e, em vários momentos, configure ditadura.