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Crónicas

Parar para ouvir, para nos fazermos sentir.

O amor pelo outro é também dar a mão. Nos mais diversos momentos. É o apoio, é a atração, é o carinho e a presença

A nossa vida é uma correria desenfreada. Acordar à pressa, tomar o pequeno almoço para uma sempre agradável passagem pelo tráfego, cada vez mais insuportável das nossas cidades ou transportes públicos sempre atolados de gente, num constante buzina para aqui e para ali e uns impropérios que se soltam para deixar os nervos à flor da pele. No trabalho é a relação difícil com o patrão que não entende as sensibilidades e os estados de espírito e os empregados que se tornam uma dor de cabeça para gerir. A inflação, a subida dos preços generalizada dos produtos ou os juros da casa que passam para valores quase insuportáveis. Para quem tem filhos então o vai e vem é exponencial. Como dizia uma amiga minha no outro dia, “quando saio do meu trabalho ainda pego na Uber, tenho três filhos e tenho que ir buscar um à natação, deixar o outro no futebol ou a mais nova nas explicações, quando paro em casa só tenho tempo para respirar uma vez antes de ter que fazer o jantar e quando dou por mim é hora de ir dormir outra vez”. Andamos assoberbados em problemas e obrigações e sobre por isso muito pouco para os outros e quase nada para nós.

Esta velocidade e a exigência a que nos colocamos no dia a dia, seja para ganhar mais dinheiro ou para mostrar aos outros que somos capazes, torna-nos profundamente absorvidos pela tarefa, deixa-nos ansiosos, nervosos e com pouca paciência para quem se mete pelo caminho. Tudo se torna um bom motivo para deitar cá para fora toda a tensão e pressão acumulada e vemos isso um pouco por toda a parte. No trânsito é vê-los buzinar de dedo em riste, a encostar carros e a sair fora deles em confronto mas não é só aí. Salta-nos a tampa por tudo e mais um par de botas e por pouco se grita e se berra. Uma agressividade constante que embate de frente com quem nos rodeia e que gera por vezes situações desagradáveis. Ainda há poucos dias, na bancada para sócios do mesmo clube, num jogo de futebol, um arraial de pancadaria tirou atenção a alguns minutos de jogo. Entre adeptos do mesmo clube, volto a frisar, com crianças pequenas à volta, inclusivamente na companhia de quem criou a confusão. Nada disso importou um pouco que fosse. Tiveram que ser separados por assistentes do recinto e mesmo assim uns quantos fizeram uma espera a outros no fim do jogo. Repito, acompanhados de menores.

Essa tensão acumulada é muitas vezes resultado da falta de comunicação entre as pessoas, das rotinas cada vez mais intensas e da pouca empatia que se cria. Nas relações pouco se fala e se cuida. Quando não se está a trabalhar ou a executar alguma tarefa em casa está-se ao telemóvel. Mesmo entre amigos a velha pergunta do “está tudo bem?”, implica que do outro lado se responda que sim porque caso contrário não há paciência para ouvir. Não é falta de tempo porque passamos a vida nos telemóveis e nas redes sociais, são as prioridades. Às vezes bastava passar numa bomba de gasolina antes de chegar a casa para comprar o chocolate que a pessoa que nos espera gosta, para mudarmos a noite dela. Para que sinta que no meio da azáfama, houve tempo para se lembrar, para se preocupar. São os pequenos momentos, nas pequenas atenções. Nós achamos que tem que ser tudo em grande, o melhor restaurante, o carro mais espampanante, a viagem maior. Esquecemo-nos do dia a dia, das atitudes, da presença, da palavra ao ouvido, do beijo, do carinho, do abraço ou de simplesmente dar a mão.

O amor pelo outro é também dar a mão. Nos mais diversos momentos. É o apoio, é a atração, é o carinho e a presença. O estar ali, o sentirmos que aconteça o que acontecer há um colo que nos abriga. Há uma mão que nos arruma o cabelo para o lado e nos limpa as lágrimas. Muitas das relações que conheço são uma inteira solidão. Porque estamos sempre preocupados com tudo e com nada mas esquecemo-nos do essencial. Da manifestação de afeto, do sentimento mesmo no silêncio de que existe alguém que não nos vai abandonar, nas alturas mais difíceis ou nos momentos mais incríveis. Às vezes é o ir à consulta no médico, é a preocupação de saber como correu o trabalho. A magia está em nos fazermos sentir nos outros. Seja num abraço de 20 minutos ou num simples olhar que nos mostra que vai ficar tudo bem.