Crónicas

Do Laranjal ao Colégio de Santa Teresinha

Eu fui como aqueles miúdos, os que aparecem em grupos na televisão, carregam bandeiras e dizem sem medo que acreditam em Deus e são católicos. O percurso que fiz depois não me fez esquecer, nem apagar o tempo em que fui membro do grupo de jovens da paróquia da Visitação.

Não era o lugar mais moderno para estar a meio dos anos 80 quando o país inventava uma maneira diferente de viver a fé, a do católico não praticante. No Laranjal da minha adolescência ninguém sabia o que isso era. As pessoas iam à missa ao domingo, as crianças faziam a catequese até ao crisma e os padres organizavam confissões no Natal e na Páscoa.

Vinham outros padres de outras paróquias ouvir os pecados de mulheres, homens e crianças, gente que fazia fila à espera de vez para contar tudo o que tinha feito de mal no confessionário. Lembro-me de estar à espera no banco a tentar enumerar os meus de maneira a ter uma penitência curta, de poucos Pai Nossos e Avé Marias.

De uma certa maneira a nossa vida comunitária girava em torno das paróquias, mesmo uma como a nossa, que era nova e que dividia o padre com Santo António. O sítio acabava por se encontrar ao domingo no adro depois da missa ou durante as festas. E o adro era o local de encontro, de convívio naquele Laranjal sem cafés ou esplanadas.

Os mais novos – a malta que fazia o crisma e os que ainda não tinham casado – juntavam-se no grupo de jovens. E no grupo cabiam as vigílias, os retiros, mas também os passeios à serra, o teatro e as festas no salão paroquial tal e qual como nas festas de garagem, com slows a tocar e uma bola de espelhos a rodar no tecto.

Uma vez por outra íamos de carro ou de autocarro às jornadas dos jovens católicos da Madeira, coisa que se organizava todos os anos no Colégio de Santa Teresinha. A experiência de estar a passar por aqueles corredores ao lado de gente de todos os cantos da Madeira era boa, ali não era esquisito ir à missa todos os domingos, nem cantar as músicas do padre Zezinho.

A minha fé, cheia de dúvidas na adolescência, não resistiu, mas guardo com carinho a memória desses anos em que o grupo de jovens foi, na verdade, o meu grupo de amigos. As pessoas com quem cantei em viagens na carroçaria de uma furgoneta a caminho de retiros ou de piqueniques na serra; com quem dancei slows e participei nos ensaios do acto de Natal. As mesmas que me aceitaram nas conversas do adro quando tinha 14 anos e era gorducha e tímida.

Sem eles teria sido muito mais complicado e difícil, sobretudo mais triste e solitário. E por isso percebo aquele entusiasmo que vejo na televisão.