Artigos

Avenida da Liberdade

Recordo, muitas vezes, as conversas com o meu bom amigo açoriano Elias Pereira – homem profundo, de sólidos princípios, de grande carácter e com um tremendo sentido de responsabilidade institucional – enquanto caminhávamos de manhã cedo pela Avenida da Liberdade em direção ao Largo de São Domingos para as nossas reuniões na Ordem dos Advogados, ele então Presidente do Conselho Regional dos Açores e eu do Conselho Regional da Madeira. Fazíamos questão de caminhar em conversa serena. Na verdade, aquilo tornou-se numa espécie de ritual, também porque afinávamos as estratégias insulares para as reuniões em Lisboa. Tínhamos a mesma natureza, o mesmo pensamento e muitos desafios comuns. Sabíamos que enfrentaríamos algumas resistências. Mantínhamo-nos firmes e focados. Juntos fomos sempre mais fortes e creio que cumprimos a nossa missão. Foram tempos bons que recordo com saudade.

Nessas caminhadas pela Avenida da Liberdade, falámos de tudo, também de política e, numa dessas conversas serenas, o Elias Pereira lembrou um pensamento, creio que de um conceituado Professor Catedrático, cujo nome, por não ter a certeza, não vou aqui mencionar, e que dizia precisamente que “só se deve ir para a política quando não se precisa da política”. Na altura, eu já com quase vinte anos de discreta militância partidária e sem qualquer função ativa de relevo na política, guardei aquela reflexão de grande alcance e importância que pode fazer toda a diferença.

E hoje, sempre que recebo jovens na Assembleia Legislativa da Madeira, agora como Deputado, e quando participo em conferências e conversas em escolas, procuro sempre deixar uma mensagem que reflete a essência daquele pensamento. Peço que se interessem pela vida pública e pela política, que sejam cidadãos ativos, que se envolvam e que se empenhem na construção de um mundo melhor. Procuro alertar sempre para importância de descobrirem a suas verdadeiras vocações, de se sacrificarem pelos seus objetivos, de perseguirem os seus sonhos, de serem competitivos e de investirem numa carreira profissional que lhes assegure competências específicas e uma maior independência para que possam sempre dar um contributo livre e esclarecido à sociedade. Se tivermos grandes profissionais, cidadãos envolvidos, esclarecidos, livres e independentes, então teremos também melhores políticos, uma melhor democracia e uma sociedade mais justa e mais equilibrada.

Julgo que, para além da nostalgia das minhas recordações, trouxe aqui muito pouco de novo, mas entendi que, mesmo num escrito apressado, devia partilhar estas reflexões, especialmente quando verificamos que, a caminho de mais um ato eleitoral, tão importante numa democracia que se renova, muitas máscaras vão caindo, especialmente quando se trata de discutir lugares individuais em partidos ou movimentos sem identidade. É curioso verificar que muitos dos que dizem que estão por uma causa e que estão pelas pessoas, muitos dos que dizem trazer novas formas de fazer política, afinal estão apenas preocupados com o seu lugar. Primeiro eles e depois o resto. E, se não alcançarem as regalias do lugar, então brigam, insultam-se e esfolam-se, afinal primeiro está o umbigo deles e, para eles, o povo não é um fim, mas apenas um meio para alcançar regalias pessoais e protagonismos pequenos. Não são exemplo e não são futuro. Não são políticos verdadeiros e deles não precisamos. O verdadeiro político tem outra fibra, outra independência e é livre.