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Habemus Papa

Ninguém mais vai querer continuar ligado a uma igreja por medo ou obrigações

O Papa Francisco é uma boa pessoa e eu gosto de boas pessoas. Ele representa uma instituição carregada de fragilidades e graves erros, impensáveis e inaceitáveis na sociedade atual. O Vaticano é uma instituição política que se movimenta com base na religião, e que usa os seus princípios para defender movimentos de poder que garantam a sua continuidade. O Papa Francisco é um líder, com poder relativo, que tudo tem feito, para aproximar as pessoas da igreja, daquela que quer que aconteça, que renasça, que integre, que a todos faça sentido.

Fala com, e para as pessoas, ouve-as, assimila e interpreta as suas ideias. Tem um sorriso franco e um olhar genuíno. Tem uma boa gargalhada. Aceita a pluralidade, em vários sentidos, e é criticado por isso. Muitos não gostam, sentem-se ameaçados, outros têm medo de gostar e de se desviar da zona que consideram segura. Mas cada vez são mais os que se identificam e partilham o seu olhar sobre a igreja, enquanto espaço de reflexão e crescimento.

Se a igreja não evoluir, se não for capaz de se reconstruir, vai acabar por desaparecer, num processo de desgaste lento e progressivo, destruindo passo a passo a filosofia de base precocemente desviada pela ganância do poder, da política da fé.

O Papa Francisco faz parte do sistema e conhece-o bem. Apesar dos constrangimentos, não deixa de falar o que quer, exprimindo o que deseja que aconteça agora e se desenvolva para o futuro. Fala para fora e para dentro da instituição que representa. Quer criar redes, novos canais de comunicação, discursos que façam sentido e que permitam construção e continuidade. Quer uma igreja aberta e compatível. Falou para os jovens e foi subtilmente criticado por não seguir uma linguagem mais formal. Ele justificou com sabedoria e sensatez e com a segurança do caminho que é preciso percorrer. Precisamos de pessoas assim, que possam estar dentro dos sistemas com vontade de os enfrentar, que sejam promotoras de mudança.

Com ele está tudo em aberto. A igreja vai ter que se atualizar, de contornar obstáculos, criar espaços de pertença. Ninguém mais vai querer continuar ligado a uma igreja por medo ou obrigações. A liberdade é o princípio da fé.

Foi isto que senti ao acompanhar as Jornadas Mundiais da Juventude. Acredito que vai ser muito difícil voltar atrás. O Papa Francisco provoca incómodo, ruído, agita dogmas e consciências. Exige coragem e determinação.

Quem partilhou este momento é grato pela presença, pela agitação, e pela facilidade com que, entre sorrisos e lágrimas, foi permitido o direito e o dever de continuar a sonhar. É um privilégio ter cruzado o meu tempo com o dele, com a pessoa. Se tivesse uma oportunidade, falaria com ele de tanta coisa e com certeza que também falaríamos de futebol. Ia ser curiosa e perguntar-lhe qual dos seus sonhos poderia partilhar. Tenho a certeza que iríamos rir muito.