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Fato de banho ou biquíni

Não sei se alguém contou às miúdas que andam de duas a duas nas compras como são livres

A montra da loja dos biquínis anuncia descontos de 50 por cento e o Verão só agora começou, mas há centenas de peças em cabides como que a dizer que, ali, no meio daquele colorido de roupa de licra, está a oportunidade para ter as melhores férias, os melhores mergulhos e um bronzeado tal e qual como as ‘influencers’ do Instagram.

Não sei qual é a tendência deste ano, se é biquíni ou fato de banho, mas os vestidos vaporosos e os chapéus de palha dos manequins e os sacos com toalhas levaram-me aos anos 80. Eu já fui como aquelas miúdas que avistei dentro da loja, daquelas que andam duas a duas e aos risinhos. Este ou aquele, esse é de velha, aquele é lindo.

O lindo é o que se usa mais, o que está validado, pois ser diferente custa muito, traz troça, risinhos, faz ser olhada de lado e ter uma fama que ninguém quer aos 15 ou 16 anos. Eu sei, fiz parte do grupo e não foi por opção. Não tínhamos Instagram, mas todas sabíamos os sapatos que devíamos ter e a roupa que se devia usar, até sabíamos onde se vendiam as camisas unissexo, as t-shirts, as sapatilhas e as calças de ganga.

E claro queríamos todas um bronzeado intenso e um fato de banho cavado, mas não havia saldos em Julho. Na verdade, as rebaixas, como lhes chamava a minha mãe, eram restos de roupa e de sapatos onde, apenas com muita imaginação, se conseguia encontrar o que vestir e calçar. A minha mãe encontrava sempre e esse jeito para pechinchas fez de mim a tal adolescente diferente.

Eu, primeiro, quis ser invisível e não foi fácil esconder-me com os meus sapatos grossos para a chuva e as saias com as sobras de tecidos da alfaiataria do meu tio Humberto. Se a roupa para a escola era estranha, na praia vestia o que me emprestavam, modelos fora de moda e apertados, nada que se assemelhasse sequer os gloriosos fatos de banho cavados que apareciam nos videoclips das músicas do Top Disco.

A minha mãe não me compraria um modelo assim mais descarado que, além de viver preocupada com o dinheiro que podia faltar, era conservadora e tinha dúvidas se ficava bem . Lembro-me que vesti o meu primeiro biquíni às escondidas, chegou-me em segunda mão num acordo cúmplice com a minha prima Ana. Não era o último grito da moda, mas era bonito e foi talvez a primeira vez em que atravessei o solário da piscina do Lido sem aquela sensação de ser a gorda esquisita.

Não sei se alguém contou às miúdas que andam de duas a duas nas compras como são livres. Podem escolher sem culpa, sem segredos e sem medo que alguém vá contar ao pai ou a mãe que estão na praia de biquíni. Eu tive medo, mas arrisquei o verão inteiro por isso e a esta distância parece tão estúpido a ideia de poder ser castigada por algo tão comum, tão banal.

Nos anos 80, não era. Todas as nossas decisões – de namorar a estudar ou até tomar um refresco numa esplanada – traziam agarradas o medo, a culpa, a sensação de estar a fazer algo de errado quando, de facto, estávamos a apenas a ser adolescentes. Tolas, inconstantes, cheias de hormonas, planos e algumas borbulhas, mas tal e qual como aquelas que andam duas a duas e aos risinhos.