Fact Check Madeira

Será que o novo hospital da Madeira foi para o terreno graças ao Governo da República?

No âmbito das Jornadas Parlamentares do PS, que se realizaram na Madeira, uma comitiva socialista, encabeçada pelo líder parlamentar em São Bento, Eurico Brilhante Dias, visitaram as obras do novo Hospital Central e Universitário da Madeira. 
No âmbito das Jornadas Parlamentares do PS, que se realizaram na Madeira, uma comitiva socialista, encabeçada pelo líder parlamentar em São Bento, Eurico Brilhante Dias, visitaram as obras do novo Hospital Central e Universitário da Madeira. , Foto Miguel Espada/ASPRESS

A obra do novo Hospital Central e Universitário da Madeira continua a dar que falar. Prova disso é o tema ter voltado à ‘baila’, ontem, no decorrer da audição do ministro das Finanças, no âmbito dos trabalhos da Comissão de Orçamento e Finanças.

Na ocasião, tanto as deputadas do PSD, como o deputado do PS, todos eleitos pelo círculo da Madeira, se pronunciaram sobre o tema.

Patrícia Dantas foi a primeira a abordar Fernando Medina, indagando sobre os atrasos verificados no pagamento de 82 facturas, num valor total de 7 milhões de euros. De acordo com a parlamentar, o último pagamento feito pelo Ministério das Finanças data de Novembro de 2022.

De há alguns tempos a esta parte, sempre que se fala da obra do Hospital Central e Universitário da Madeira e do pagamento da quota parte do Estado, ouço o PS dizer que mesmo sem a Resolução do Conselho de Ministros estar de acordo com a execução física e financeira, e mesmo sem que o valor do Orçamento do Estado esteja adequado às previsões regionais de execução da obra deste ano, não haveria problemas no pagamento nas facturas da mesma obra. A questão é que o último pagamento feito pelo Ministério das Finanças é de Novembro de 2022 e neste momento estão por pagar 7 milhões de euros, o que corresponde a 82 facturas que aguardam pagamento. Patrícia Dantas, deputada do PSD à Assembleia da República eleita pelo círculo da Madeira
Sara Madruga da Costa tocou na necessidade de corrigir a Resolução de Conselho de Ministros que determina o financiamento de 50%.

Sara Madruga da Costa, por outro lado, apelou à correcção da Resolução de Conselho de Ministros sobre o financiamento de 50% do custo da obra. “Há quatro anos que nós reivindicamos a correcção de duas resoluções do Conselho de Ministros sobre o financiamento desta insfraestrutura. E até ao momento o Governo nada fez. Estas resoluções impõem ilegitimamente à Madeira contrapartidas pelo co-financiamento do novo hospital, ainda não foram corrigidas”, disse a deputada social-democrata.

Na resposta a estas interpelações, Fernando Medina não apontou prazos, nem para o pagamento das facturas em atraso, nem para as correcção da Resolução, que admitiu estar errada. “O que há aqui a destacar é o compromisso que o Governo assumiu, e neste caso não em 2015, mas já comigo no cargo de ministro das Finanças, que é resolver, por via da alteração da Resolução de Conselho de Ministros, aquilo que é uma incorreção da Resolução anterior sobre a imputação dos hospitais, do resultado da venda dos hospitais, sendo que é um cálculo relativamente a algo que não é propriedade do Governo Regional da Madeira”, notou o ministro das Finanças, para apontar que “esse compromisso, obviamente, está de pé e iremos fazer essa alteração quando for necessária”.

Ouça aqui o que disse Fernando Medina, ministro das Finanças, sobre o novo Hospital Central e Universitário da Madeira

Ainda esta semana, Carlos Pereira, deputado socialista com assento em São Bento já havia garantido que essa alteração ocorreria até ao Verão e que “não haverá descontos de financiamento caso exista vendas de imóveis em utilização”, apontando esta correcção como a razão para a suspensão dos pagamentos desde o final do ano passado.

Mas antes mesmo do ministro de pronunciar, o socialista Miguel Iglésias dizia não ter dúvidas de que “se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital”, razão pela qual diz não entender a postura assumida pelas colegas de ‘São Bento’. E mesmo depois de a obra estar no terreno, no seu entender, o PSD teima em não aceitar essa realidade. Por isso, reafirmou que “o Hospital da Madeira é uma realidade devido ao financiamento do Governo da República”.

Eu pensava, honestamente, que as deputadas do PSD eleitas pela Madeira vinham aqui, precisamente, elogiar o Governo e o Ministério das Finanças pelo financiamento de 50% da construção do novo Hospital Central da Madeira. É que se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital. Aliás, nem com a obra a decorrer, nem com as máquinas no terreno, que todos os madeirenses já podem observar, os senhores vêm aqui, e não conseguem encarar essa realidade. O Hospital da Madeira é uma realidade devido ao financiamento do Governo da República. Miguel Iglésias, deputado do PS à Assembleia da República eleito pelo círculo da Madeira
Ouça o que disse Miguel Iglésias, ontem, na Assembleia da República, sobre este tema.

Mas será que o deputado socialista tem razão, ao afirmar que “se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital”?

A resposta a esta questão não é linear, razão que nos leva a considerar a afirmação imprecisa.

Ao longo dos anos foram vários os avanços e recuos de cada um dos Governos, o da Região e o da República, à parte as cores políticas. Houve compromissos e incumprimentos de ambas as partes, pelo que não é simples atribuir supremacia a algum dos envolvidos. Sem uma das partes, dificilmente a outra conseguiria levar o plano de construção de um novo hospital por diante.

Entre as circunstâncias que abonam a favor dos socialistas podemos apontar  o facto de ter sido um governo do PS a validar o co-financiamento do projecto pela República e a ter considerado o novo hospital como sendo um Projecto de Interesse Comum. Inclui-se nesse conjunto, a questão de o PSD ter chumbado, na Assembleia da República, os Orçamentos do Estado de 2019, 2020, 2021 e de 2022, onde estava contemplado não só o financiamento do novo hospital, ainda que não nas condições almejadas pelos social-democratas madeirenses, como também as garantias de Estado ao demais financiamento da empreitada. 

Se é certo que o co-financiamento foi sempre uma das condições defendidas pela Madeira e que o executivo madeirense não avançou com o projecto até haver o ‘sim’ da República, já numa das legislaturas de António Costa, não deixa de ser menos verdade que o projecto não arrancaria caso a Região e, mais concretamente, os sucessivos governos do PSD liderados por Miguel Albuquerque não o pretendessem. Num cenário destes, dificilmente o Estado teria condições para avançar com o projecto de forma isolada.

Não havendo financiamento algum de Lisboa para esta empreitada, teria a Região capacidade financeira para construir o novo hospital? No seio do Governo Regional, essa chegou a ser uma opção equacionada, mesmo que em surdina e sem comprometimento público, perante a indefinição do governo central quanto ao apoio, mas tal poderia representar custos demasiado altos para os Orçamentos Regionais e para os madeirenses, aspecto que nos leva a crer ser muito difícil a sua implementação.

Os encargos com o projecto agora em curso estão repartidos, em partes iguais, pelo Governo da República e pelo Governo Regional da Madeira, como corolário de a obra ter sido classificada, em Novembro de 2015 (Resolução n." 1/2016/M, de 4 de Janeiro) como Projecto Prioritário e, mais tarde, da aprovação da candidatura a Projecto de Interesse Comum (PIC), para efeitos de financiamento por parte do Orçamento do Estado.

A partir de diversas iniciativas legislativas foram propostas e inscritas nos Orçamentos do Estado para os anos de 2017, 2018 e 2019, normas relativas à construção do Hospital Central [e Universitário] da Madeira. Por exemplo, o artigo 78.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2019, estipulava que o Governo da República assegurava apoio financeiro correspondente a 50% do valor da construção, fiscalização da empreitada e aquisição de equipamento médico e hospitalar do futuro Hospital Central da Madeira, em cooperação com os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira.

O certo é que, nem mesmo com todas condicionantes definidas, o processo tardou em avançar, com culpas a serem atribuídas de parte a parte, ora pela Madeira, ora pela República.

Em 2006, o Governo Regional lançou o concurso denominado ‘Projecto para a Construção do Hospital Central da Madeira’, isto depois de atrasos na sua concepção e de complicações com as expropriações. Só a 13 de Maio de 2021 tiveram início os trabalhos de demolição das moradias ali existentes e escavação das fundações, quando ainda estavam por expropriar 10% dos terrenos necessários a esta nova estrutura.

No dia 9 de Janeiro deste ano foi lançada a primeira pedra do novo hospital e as previsões para conclusão desta infraestrutura de saúde é apontada para o início do segundo semestre de 2027.

"Se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital (...). O Hospital da Madeira é uma realidade devido ao financiamento do Governo da República" - Miguel Iglésias - deputado do PS, ontem, na Assembleia da República.