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Teresa Almeida defende que MP só deve investir quando é possível obter condenação

Teresa de Almeida é juíza do Supremo Tribunal de Justiça desde Abril de 2022.   Foto DR/STJ
Teresa de Almeida é juíza do Supremo Tribunal de Justiça desde Abril de 2022.   Foto DR/STJ

A antiga procuradora Teresa Almeida defende que o Ministério Público só deve investir em casos em que é possível obter condenação e teme que se esteja "a alimentar um monstro de teias de investigações e suspeitas de que tudo é corrupção".

"Corre muito esta ideia de que se corta a cabeça às instituições todas. É a demissão deste, é a demissão daquele. É muito perigoso pôr em causa desta forma as instituições do Estado de Direito. É como a banalização da corrupção. Vamos atrás de tudo que mexe", afirma Teresa Almeida, numa entrevista ao jornal Público hoje divulgada.

Hoje juíza no Supremo, Teresa Almeida fala também da utilização abusiva dos pedidos de afastamento dos juízes e na necessidade de corrigir penas muito diferentes em casos semelhantes e defende que a hierarquia do Ministério Público (MP) tem que fazer um acompanhamento próximo dos processos.

Sobre o combate à corrupção, aponta riscos no facto de "se ir atrás de tudo", frisando que "o princípio da legalidade não é exatamente isso".

"Não obriga o MP a ir atrás de tudo, obriga a iniciar uma investigação, a abrir um inquérito quando há uma suspeita com um mínimo de fundamento de que alguém praticou um crime. Estas duas condições têm que se reunir para haver inquérito. Não é porque há uma notícia ou porque alguém coloca uma questão. Tem que se fazer uma apreciação prévia", defende.

Diz que a tão falada lentidão na Justiça "existe sobretudo nos processos mais complexos e acaba por tornar intolerável a vida dos cidadãos", mas reconhece que, com os recursos para o Constitucional, "há uma utilização muitas vezes abusiva de um instituto que visa coisas completamente diferentes".

"O Supremo tem-no dito nos seus acórdãos, como é o caso dos pedidos de recusa de juiz", acrescenta.

Questionada sobre se se poderia tomar algumas medidas, como por exemplo retirar nalguns casos o efeito suspensivo dos recursos para o Tribunal Constitucional, responde que "não é uma solução para todas as situações, mas poderia haver uma maior restrição".

"Esta questão também se coloca em fases anteriores do processo. A existência da fase de instrução devia ser discutida. Pode ser que numa revisão constitucional, essa questão seja tratada", sublinha.

Quanto aos megaprocessos, afirma que "muito dificilmente" concebe um processo "que não seja suscetível de ser separado por temas".

"Há pessoas conhecidíssimas que faleceram e que os processos ainda estão aí a mexer porque tem outros arguidos. Ainda andam pelo Constitucional. Isto é uma Justiça deficitária, não é uma Justiça plena", considera, lembrando: "No caso da separação e em caso de condenação, podem sofrer a condenação mais cedo. Mas no caso da não-separação, andaram às vezes 10 anos, 15 anos a arrastar com uma situação que pode não dar numa condenação. E isso também destrói vidas".

Questionada sobre a dimensão da acusação em casos como, por exemplo, a Operação Marquês ou o do BES, responde: "É absolutamente impossível".

"Admito que haja situações em que os factos sejam de tal modo imbricados que seja muito difícil distinguir. Mas são casos raríssimos", defende a procuradora, para quem "ao invés de se ir atrás de tudo o que mexe, é preciso ver o que tem viabilidade".

"O MP não está a acusar por entretimento. Nem tem tempo para isso. Não pode estar a investir em processos em que não há ou substância fática ou não é possível obter provas. (...) Acaba por se estar a alimentar um monstro de teias de investigações e de suspeitas e de que tudo é corrupção, que é muito negativo para o Estado de Direito democrático", afirma.

Às vezes "anda-se nisto anos para nada", observou Teresa Almeida, para quem a hierarquia tem que chamar atenção: "Os colegas, sobretudo os mais jovens, acham que estão a fazer bem. Que é o seu dever. Mas tem que haver uma suspeita fundada. Os factos têm que constituir crime. E depois tem que se perceber se há viabilidade na investigação".