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"Sentimento de repulsa" perante abusos é bom para criar cultura de transparência

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O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) defendeu hoje que "é bom" que o "sentimento de repulsa" pelos abusos sexuais na igreja "não se atenue tão depressa" para "inverter esta cultura e criar uma cultura de transparência" na igreja.

"Pode-se fazer a avaliação que se quiser do trabalho da comissão independente, mas foi um trabalho que mexeu connosco, não só com a igreja, mas que mexeu com o país e acho que é bom que esse movimento e sentimento de repulsa não se atenue tão depressa, porque é preciso que todos tomemos caminhos seguros para inverter esta cultura e criar uma cultura de transparência", defendeu hoje o bispo José Ornelas.

O presidente da CEP falava na conferência de imprensa do Grupo Vita, em Lisboa, que hoje apresentou o relatório de seis meses de atividade e um manual de boas práticas, na sequência da revelação de décadas de abusos sexuais na igreja católica.

O presidente da CEP disse que esta é uma "realidade com a qual é preciso não compactuar" e que se o abuso sexual de menores ou adultos vulneráveis "é sempre trágico, na igreja é duplamente gravoso", por ser um ambiente "onde se criam afetos" e do qual se espera "apoio, confiança e segurança", pelo que a ocorrência de qualquer abuso no seu seio "contradiz cabalmente" os seus princípios.

Ornelas reconheceu um "sentir da Igreja" de "uma pena de por vezes" não ter estado "à altura de responder a cada um destes casos", pelo que a CEP quis que o Grupo Vita e a coordenação nacional das comissões diocesanas fossem "a mão da igreja neste campo".

"Os bispos podem ter boa vontade, mas aqui precisava de uma competência própria. Nós precisávamos de gente capaz, fomos à procura e estou contente com o que encontrámos", disse, sublinhando que o grupo, ao contrário da comissão independente que apenas tinha como propósito estudar e conhecer a realidade dos abusos, foi criado para ser "de intervenção" em relação às vítimas, mas também dentro da igreja, alterando procedimentos.

"O que está a ser feito penso que vai mudar e está a mudar já este ano a nossa conceção em muitas coisas e não há retorno. (...) Se for preciso lutar com obstáculos, lutamos, e se for preciso esperar e ter a coragem de avançar, avançamos", disse.

Recusou, no entanto, que o trabalho do Grupo Vita ou da Igreja Católica seja o de encontrar "bodes expiatórios"

"Se o objetivo é ir ao encontro destas pessoas que são abusadas e que passam pelos conflitos e pelas agressões que conhecemos, então vamos encontrar sempre caminhos de convergência, se estamos aqui a encontrar o bode expiatório mais fraco, perdemo-nos pelo caminho e não realizamos a nossa tarefa", disse.

O Grupo Vita reportou ao MP e à PJ 16 casos de violência sexual no contexto da Igreja Católica durante os primeiros seis meses de atividade e, segundo o relatório, para além das 16 situações sinalizadas às autoridades para investigação (ficaram de fora os casos em que o denunciado já tivesse morrido ou existisse um processo judicial), foram igualmente comunicados 45 casos às estruturas ligadas à Igreja, das quais 27 para as comissões diocesanas.

O Grupo Vita pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no 'site' www.grupovita.pt.

Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.

O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.