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Crónicas

O bom, o mau e o menino jesus

O salvador do PS regional regressa apenas quando lhe convém e para salvar-se a si próprio

Os senhorios com contratos de arrendamento anteriores a 1990 estavam, desde 2012, impedidos de atualizar as rendas a valor de mercado. A medida transitória seria prorrogada por quatro vezes até que, à custa do famigerado pacote “Mais Habitação”, tornar-se-ia definitiva. De seguida, veio a promessa de compensar os proprietários pelos prejuízos, não sem antes, à boa maneira portuguesa, realizar-se um estudo. O estudo era para Março mas só chegou em Novembro. Em Dezembro, chegou o valor da compensação. Menos de 18 euros por mês. Se a esse valor, descontarmos o aumento da renda atualizado pela inflação, fica claro que, em Portugal, são os senhorios que pagam a política de habitação social.

O bom: Beatriz Severes Lopes

Vai apenas na sua 3.ª edição mas, a cada ano, somos recordados da importância de ter sido criado. O prémio “+Valor Madeira” é atribuído, anualmente, pela Assembleia Legislativa da Madeira a autores de trabalhos académicos com relevância e aplicabilidade na Região. Em 2023, coube o reconhecimento a Beatriz Severes Lopes, mestre em Design de Media Interativos, pelo trabalho intitulado “Desenho de Intervenções Tecnológicas Colaborativas para Gestão de Saúde Mental”. O projeto académico materializa-se numa aplicação pensada para auxiliar a saúde mental e o bem-estar dos jovens universitários, ligada diretamente ao serviço de Psicologia da Universidade da Madeira. Antes de desenhada a aplicação, foram contactados os estudantes para que o projeto refletisse as suas necessidades na transição do ensino secundário para o superior e, com essa informação, o apoio fosse mais prático do que teórico. Se dúvidas houvesse acerca da variedade e qualidade dos candidatos ao prémio, a atribuição de duas menções honrosas – a um trabalho na área da arquitetura e outro da psiquiatria – revela bem a dificuldade reservada ao júri na escolha de um vencedor. Em certa medida, o prémio também é o reconhecimento que a missão das instituições políticas - como a Assembleia Legislativa – começa, mas não termina na representação dos eleitores. Na verdade, cabe aos parlamentos não só reconhecer o valor dos seus representados, mas também garantir que esse reconhecimento é semente para a criatividade e para a inovação. O prémio “+Valor Madeira” é a prova de que é possível cumprir essa missão com elevação e sem folclore.

O mau: Marcelo Rebelo de Sousa

Afinal havia um e-mail do filho do Presidente. Na telenovela que envolve duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinal, tratadas com um dos medicamentos mais caros do mundo no Hospital de Santa Maria, há muitos protagonistas e um rol de factos por explicar. O pedido de nacionalidade portuguesa para as gémeas ter sido decidido nuns vertiginosos 14 dias, quando o prazo habitual é de 12 meses. A marcação, em Portugal, de uma consulta médica para as gémeas, sem terem número de utente. A recusa inicial do Hospital em submeter as gémeas ao tratamento que, mais tarde, seria aprovado. Parece improvável, mas o pior ainda estaria (talvez ainda esteja) por descobrir. A começar pela tentativa de Marcelo em explicar o seu suposto envolvimento no caso. Embora seja verosímil que na caixa de correio da Presidência aterrem milhares de pedidos de ajuda, Marcelo não convencerá ninguém de que todos eles merecem o tratamento especial deste pedido específico. O elenco de cuidados presidenciais incluiu o contacto direto com o Hospital pela assessora da Presidência, o envio do pedido para o chefe do gabinete do primeiro-ministro e a correspondência entre Marcelo e um neuropediatra do Hospital de Santa Maria. Se isso não bastasse, tudo terá começado a partir de um e-mail do filho do chefe de Estado. O Presidente da República pode dar as voltas que quiser, mas o seu filho não é um cidadão como qualquer outro e este processo não foi igual a todos os outros. A questão não é a justeza do tratamento às gémeas, nem sequer a solidariedade de Marcelo, mas sim a preocupante conclusão de que nem todos têm a sorte de ter acesso ao filho do Presidente.

O menino jesus: Paulo Cafôfo

Nas palhinhas deitado, nas palhinhas estendido. Tal como o menino jesus, Paulo Cafôfo regressa, inevitável e periodicamente, ao conforto do regaço socialista regional. Mas ao contrário do salvador do mundo, o salvador do PS regional regressa apenas quando lhe convém e para salvar-se a si próprio. Ao presépio socialista, montado à pressa para festejar o retorno do saudoso líder, não faltaram os pastorinhos do costume a anunciar a boa nova do regresso de quem nunca foi. A partir daí, o processo eleitoral do PS transformou-se num exercício de aclamação unipessoal, que culminaria na eleição de Cafôfo com quase 99% de votos. Até Pedro Nuno Santos, mais que provável secretário-geral do PS, se poupou ao embaraço de uma discussão interna apressada e de um resultado eleitoral que faria corar o líder da Coreia do Norte. Por cá, para a consagração do novo líder do PS regional, os prazos foram encurtados, o congresso antecipado e, ainda antes de Cafôfo tomar posse, Sérgio Gonçalves já deixou de falar em nome do partido. A ressurreição política de Paulo Cafôfo tudo permite. Até a profunda contradição de ter jurado que a causa da sua vida era a Madeira e, alguns dias depois, autonomear-se cabeça de lista à Assembleia de República e a uma confortável carreira em Lisboa.