Fact Check Madeira

Albuquerque escolheu a dedo as ilhas com risco de pobreza superiores à Madeira?

O presidente do Governo Regional procurou ontem relativizar a taxa de risco de pobreza na Região que atinge 3 em cada 10 madeirenses

Terá o presidente do Governo Regional dado exemplos de ilhas europeias que, na prática, não podem ser comparadas à realidade madeirense? Parece ser um facto, embora os números apresentados estejam correctos, haveria outros exemplos bem mais evidentes. A relativização do assunto foi notada, mas é um facto que os dados disponíveis, muitos deles desactualizados, outros até inexistentes, não permitem sentenciar como verdadeiro ou falso as afirmações de Miguel Albuquerque. Portanto, impreciso.
Foto Miguel Espada/Aspress
Foto Miguel Espada/Aspress

O presidente do Governo Regional até foi assertivo ao referir três ilhas europeias com taxa de risco de pobreza e exclusão social superiores à Madeira, onde este indicador ascendia em 2021 a quase 30%. Contudo, foram mesmo escolhidos a dedo os exemplos de Canárias, Sicília e Sardenha. Isto porque outras ilhas também ficaram de fora. Fomos à 'pesca', e há pelo menos quatro que estão melhores, incluindo os nossos vizinhos açorianos que durante décadas ocuparam o lugar mais baixo deste infeliz indicador, e hoje deixaram a Madeira com a 'lanterna vermelha'.

"O presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, relativizou, hoje, em Câmara de Lobos, a taxa de risco de pobreza de 29,6% da população da Madeira, divulgada ontem, explicando que a mesma é muito semelhante à das outras ilhas europeias e garantiu que a situação na economia real 'é diferente' e que 'a pobreza efectiva é outra'", escrevíamos na edição online de sábado, afirmações tidas precisamente em Câmara de Lobos.

"O risco de pobreza em Canárias é de 39% [da população]. Se formos ver a Sicília e a Sardenha [o risco de pobreza abrange] um terço [das respectivas populações]. Mas quem chega à Sardenha e compara com um concelho à volta de Lisboa, vê logo que a Sardenha é muito mais desenvolvida. A economia real é diferente do risco de pobreza", descreveu o governante, à margem da visita ao início das obras do novo campo de futebol do Ribeiro Real.

"Albuquerque explicou a aparente contradição com os critérios utilizados para avaliar o risco de pobreza, que levam em linha de conta a situação de ilha e a situação de ultraperiferia: 'As ilhas europeias têm um risco de pobreza, porque têm problemas estruturais. A sua ultraperiferia, o distanciamento e a falta de escala de mercado são tudo variáveis que contam para o risco de pobreza', foi outra afirmação do presidente do Governo.

Albuquerque garante que risco de pobreza na Madeira é igual ao das outras ilhas europeias

O presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, relativizou, hoje, em Câmara de Lobos, a taxa de risco de pobreza de 29,6% da população da Madeira, divulgada ontem, explicando que a mesma é muito semelhante à das outras ilhas europeias e garantiu que a situação na economia real "é diferente” e que “a pobreza efectiva é outra”.

A verdade é que para o cálculo do risco de pobreza e exclusão social a União Europeia não tem em conta a "ultraperificidade, o distanciamento e a falta de escala de mercado" das ilhas. Tem critérios para todos os Estados-membros e as suas regiões, baseado no "somatório das pessoas que se encontram em risco de pobreza , grave carência material e social ou que vivem em agregado familiar com uma intensidade de trabalho muito baixa" (definições em inglês), segundo o indicador AROPE, que corresponde à designação "at risk of poverty and exclusion" (em risco de pobreza e exclusão social).

A citação do Eurostat, organismo de estatística oficial da União Europeia, explica ainda que "a taxa AROPE é a percentagem da população total que se encontra em risco de pobreza ou exclusão social. É o principal indicador para monitorizar a meta da UE 2030 sobre pobreza e exclusão social e foi o principal indicador para monitorizar a meta de pobreza da Estratégia UE 2020.

Conforme se pode constatar do quadro na imagem, o governante revela estar a par das taxas das referidas regiões citadas. Contudo, como referido, são regiões que podem não servir de referência para a realidade da Madeira, dada a sua dimensão, embora Canárias seja nossa vizinha.

Mas também há outros exemplos como as Ilhas Baleares ou a ilha de Creta, tanto uns (inclui um arquipélago) como o outro, são maiores do que a Madeira. Ou mesmo, a ilha dinamarquesa. Neste exemplo faltarão as ilhas parceiras das Regiões Ultraperiféricas da Europa, grupo ao qual pertencem a Madeira, os Açores e as Canárias. No caso em concreto, as pobres ilhas francesas do outro lado do Atlântico.

Entre Guadalupe, Guiana Francesa, Maiote, Reunião e Martinica, apenas esta última tinha uma taxa de pobreza abaixo da madeirense, embora os dados mais recentes sejam de 2019. Segundo o barómetro das RUP's, divulgado em Junho do ano passado, Maiote tinha uma taxa de pobreza a bater no tecto (77,3%), seguida da Guiana francesa (52,9%), Reunião (37,2%), Guadalupe (34,5%) e, por fim, Martinica (27,4%). 

Numa consulta ao Instituto de Estatística francês não foi possível determinar tal taxa, ainda menos actualizado para este contexto.

Também podem ser comparados os Produtos Internos Brutos das regiões referidas pelo presidente do Governo e as que exemplificamos aqui, e conseguimos perceber que a Madeira, tal como os Açores (em último), têm um PIB que nem chega a léguas. São muitos milhões de diferença.

Acresce dizer que os indicadores para os quais hoje as autoridades estatísticas nacionais têm de se reger para um modelo semelhante na UE, foi ajustado em 2021. O indicador AROPE "foi modificado de acordo com a nova meta da UE 2030", permitindo que "medir melhor a privação, com base numa lista de itens revista, bem como dar conta da situação de exclusão social de quem está em idade activa (18 a 64 anos em vez de 18 a 59)".

Os indicadores:

  1. Ajustar a componente de privação material grave, definindo uma nova taxa de privação material e social grave em percentagem da população total com falta de pelo menos sete dos treze itens de privação material e social;
  2. Definindo o indicador de agregado familiar (quase) sem emprego como “pessoas dos 0 aos 64 anos que vivem em agregados familiares onde os adultos (os dos 18 aos 64 anos, mas excluindo os estudantes dos 18 aos 24 anos e os reformados de acordo com a sua situação económica autodefinida estatuto ou que recebam qualquer pensão (excepto pensão de sobrevivência), bem como as pessoas no escalão etário dos 60-64 anos, inactivas e que vivam em agregados familiares em que o rendimento principal seja pensões) trabalharam um tempo de trabalho igual ou inferior a 20% do seu potencial combinado total de tempo de trabalho durante o ano anterior”.

Portanto, os factores do afastamento do território continental, como ilhéus é importante, mas a Europa já tem em conta esses factores, procurando tratar de forma diferente as suas RUP's, discriminando positivamente as mesmas. Se é suficiente ou se é eficaz, é assunto que até à data nunca foi tema.