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Em morte lenta

O âmago de muitos dos problemas sociais, económicos e políticos que o país e a Região enfrentam está intimamente ligado ao facto de que, na sua maior parte, as elites políticas que nos têm liderado ao longo das últimas décadas não usaram a liberdade democrática, o acesso aos mercados e a integração europeia para criar uma estrutura produtiva, capaz de aportar valor à nação, mas apenas para alimentar uma pequena oligarquia política, financeira e empresarial, que, ao longo de largos anos, tem acumulado uma porção imoral do produto gerado pelas famílias que trabalham. Por outras palavras, tornamo-nos um país que cria ricos, nunca verdadeiramente capaz de criar riqueza.

Quando percebemos isso, torna-se mais fácil entender como é que, entre nós (um país periférico de um continente que enfrenta sérios problemas financeiros), encontramos, com tanta facilidade, gente rica e milionária, ao mesmo tempo que a grande maioria da população não consegue comprar casa, depende da reforma dos pais e dos avós para pagar as contas, recorre a bancos de ajuda alimentar, é esmagada por uma carga fiscal castradora, não consegue viver com níveis aceitáveis de dignidade e não vislumbra no futuro rasgos de esperança que permitam acreditar num amanhã melhor.

Quando percebemos isso, torna-se também mais fácil entender como é que certos senhores e certas senhoras que ocupam posições de confiança política nos governos e nas organizações que deles dependem andam aí armados em meritocratas de estatuto planetário e auferem remunerações imorais, como se alguma empresa que se preze tivesse interessada em recrutá-los. O que seria de nós sem esses profissionais de topo, cujo único currículo de destaque é o servilismo e a arte de agradar (nas mais variadas formas) a quem manda, enchendo os altos quadros da função públicas com os seus egos colossais e com a sua incompetência gritante?

Aqui, ali e em todo o lado para onde se olhe, encontramos os sintomas de um sistema político apodrecido, endividado e mantido apenas por injecções delirantes de dinheiro, pago na forma de impostos por uma classe média em desaparecimento e uma população trabalhadora cada vez mais farta da hipocrisia que inunda o país, do conluio bolorento entre a política e os negócios e da devassa ética que adoça a boca de quem deveria servir a Causa Pública. A capa da Democracia, que é mantida com malabarismos, inverdades e numerozinhos retóricos por quem desesperadamente precisa da mesma para encobrir realidades incómodas, já é curta para tapar a vergonha das nomeações, das adjudicações, dos resultados dos concursos ditos ‘públicos’ e da entrega de verbas colossais aos membros de certos círculos políticos e financeiros, que tanto defendem o estado decadente das coisas à sombra do qual se apascentam.

Na sequência de tantos casos e casinhos, transformados em melodramas nacionais e regionais, alguns dos quais ainda apor esclarecer e outros dos quais ainda procuram seguimento nos corredores do Ministério Público, é crucial que, pelo menos, aprendamos qualquer coisa sobre o país que temos, sobre a classe política que penosamente alimentamos e sobre o carácter tentacular das ligações que, longe do escrutínio público, não só existem, como também determinam o que se passa à nossa volta. Se nem isso fizermos, resta-nos ficar impávidos e serenos, à espera da próxima crise, da próxima estucada e da próxima purga neste sistema político já em estado de dormência moral e de morbidade ética.