Crónicas

Porque são eles, porque sou eu…

Ontem comemorou-se mais um Dia Internacional da Amizade. Cada um dá a importância que quer dar às suas

Um dia Michel de Montaigne um dos mais brilhantes filósofos e humanistas franceses, depois de insistentemente questionado sobre as razões da sua grande amizade por outro humanista e filósofo francês Étienne de La Boétie ( que morreu precocemente ) escreveu num brilhante ensaio “Da amizade” que gostava dele e ponto. Quinze anos depois, ao rever o que escrevera, acrescentou que gostava do amigo de sempre “porque era ele”. Outros quinze anos mais tarde decidiu completá-la definitivamente com um “porque era ele, porque era eu”. Este texto magnífico que serviu de inspiração para tantos escritores que lhe seguiram, conseguiu emprestar um entendimento simplesmente perfeito do poder das relações humanas, mais concretamente da amizade, da concretização do amor pelo outro, das palavras e sentimentos que ficam subentendidos quando pouco mais há para explicar ou revelar para além do que se sente, quando essas ligações poderosas nos ajudam a construir aquilo que somos e as pessoas que nos acompanham pela vida fora.

Na verdade a amizade que fica e que nos molda é provavelmente das coisas mais bonitas e transversais a que podemos assistir e que temos o prazer de saborear. São também esses que seguem junto connosco que nos caracterizam enquanto seres humanos e que explicam muitas das nossas atitudes e da nossa forma de estar na vida. Sempre senti esse poder em mim em relação aos meus e sempre me carreguei de forças e energia no que me transmitem tentando sempre, da mesma forma, estar à altura das circunstancias, por que cada um deles passa. A atenção sem ser intrusivo, a palavra que nos dá alento nas alturas mais difíceis e complicadas. A vida é uma montanha russa de sensações, feita de altos e baixos, de momentos profundamente infelizes e de outros mágicos e perfeitos, de tristezas e alegrias, de sucessos e concretizações ou de irmos ao fundo do mais fundo que as profundezas têm para revelar. Parece que às vezes damos-lhes mais valor, ou sentimos mais o seu peso quando estamos em baixo, sobretudo para quem “dar” é uma naturalidade, sem esperar algo em troca, só porque sim.

Eu tenho uma relação apaixonante com os meus. Do amor mais genuíno e poderoso que tenho para apresentar em mim para alguém. Acho que por vezes sinto-os tanto que esqueço tudo o resto. São uma prioridade e foi sempre assim. Não há nada mais decepcionante e vazio do que a solidão e a falta de amigos verdadeiros. Somos nós, com o que fazemos, com a história que escrevemos que os vamos aproximando ou afastando, às vezes com um olhar, outras com frases soltas, de uma certa forma com o “estar lá” no momento certo e com a facilidade com que o transmitimos, que estamos ali, haja o que houver, aconteça o que acontecer. Os amigos não devem servir só para os maus momentos, para quando precisamos deles, quando nos falha quase tudo ou ficamos sem chão. Eles fazem as nossas conquistas parecer ainda maiores e dão significado ainda mais mágico ao nosso sucesso, às nossas aventuras e aos nossos sonhos. É nessa partilha inesgotável de dar e receber que se desenvolve e assenta o conceito a que se referia o filósofo francês.

Nas coisas mais simples, nas atitudes aparentemente mais ligeiras e insignificantes, na sensação de calor quando precisamos de sentir que a qualquer coisa existe alguém que nos abre a porta, que nos atende o telefone e que se preciso for larga tudo para nos vir socorrer. Eu quando era mais novo percepcionava as pessoas que realmente estavam lá para mim ao imaginar-me no fim do mundo, com o maior dos problemas ou na maior das aflições, os que eu achava que me iriam lá buscar e me trariam para junto deles eram os que considerava especiais, da mesma forma o contrário, por quem faria eu tudo isso e seria capaz de desarrumar a minha vida e dar a mão. Sempre tive a ideia de que se um dia ganhasse o EuroMilhões o meu projecto fundamental seria construir um condomínio onde coubessem todos os meus amigos, cada um com a sua casa, com churrascos ao domingo e com a presença ainda mais assídua na vida uns dos outros. A perfeita vida em comunidade com os meus.

Ontem comemorou-se mais um Dia Internacional da Amizade. Cada um dá a importância que quer dar às suas. Não é sorte nem vão a sorteio os amigos que nos acompanham, é fruto das nossas ações, dos nossos princípios e valores, da nossa capacidade altruísta e do que pretendemos para a nossa vida. Podemos dar-lhe a roupagem que quisermos dar e vir até com muitas teorias e explicações para este sentimento tão impactante e para mim tão essencial. No fundo há coisas que não se explicam, vão acontecendo e pronto. Por isso uns fazem muito sentido num determinado momento e deixam de fazer sentido um tempo depois e há outros que ficam lá para sempre. Para conhecermos uma pessoa boa basta um dia, uma determinada situação. Para fazermos um amigo leva tempo e leva-nos parte do nosso tempo, porque para incluirmos alguém na nossa vida, na nossa rotina e no nosso coração é necessária disposição e comprometimento. É sobre o que é prioritário para nós. É sobre o que realmente conta, o que vale a pena. Simplicidade e energias. É sobre amor, sobre abraços, risos, colo, ombro e peito. Para mim é sobre o que se sinto cá dentro, é sobre afetos e respeito. Obrigado aos meus por estarem sempre aqui, dentro de mim. Porque são eles, porque sou eu…