O último Batalhão

Angola, finais de outubro de 1975. Por essa altura regressavam a Portugal numa aeronave fretada (DC10) os últimos efetivos do Batalhão 4911/74 a que eu pertenci. Foi o último batalhão constituído por tropas oriundas do arquipélago da Madeira e dos Açores, comandadas por oficiais na sua maioria do Continente. Para a história ficou - em vésperas de se tornar um Estado livre e independente - um país que foi palco de uma guerra colonial com Portugal, entre 1961 e 1974. Ali, a nossa missão foi muito específica e delicada, ao lidarmos com um processo de descolonização, entregando faseadamente aquela ex-colónia aos comandantes regionais dos três ramos das forças armadas então lá existentes (MPLA, FNLA e UNITA). Tenho ainda presente a grande dificuldade nesse contínuo e acelerado processo, como aliás também não foi fácil toda a gestão logística e precipitada no (des) controlo do regresso de cerca de meio milhão de Portugueses ao seu país de origem. Muitos deles em verdadeira situação de refugiados.

Hoje, passados 47 anos, e numa fase já decadente das nossas vidas e em muitos casos dependente, o que resta destes ex-combatentes para além da sua dignidade e de ténues momentos de saudade da terra pela qual foram obrigados a combater, é a luta contínua no dia-a-dia pela sua sobrevivência. Nestes últimos anos, uma página do Facebook do “Batalhão 4911/74 – Angola”, que é reservada a um grupo em crescendo de Antigos Combatentes e também de outros Batalhões que ao longo de 14 anos foram destacados para a Guerra do Ultramar, tem vindo a abordar, informar e ajudar nos assuntos relacionados com as vivências, os problemas e outras dificuldades de âmbito social em que vivem muitos dos ditos ex-combatentes. São também conhecidas e salutares as atividades de outros grupos e associações de apoio a estes sobreviventes da guerra colonial, relacionadas com a permanente preocupação em identificar e aproximar, tanto quanto possível, estes homens que um dia deixaram as suas famílias e amigos e embarcaram para destino incerto em defesa da sua Pátria. Um bom exemplo disso é o trabalho de dedicada entrega aos mais necessitados, que tem vindo a ser desenvolvido pelo coronel capelão, padre António Simões, vigário da Sé Catedral do Funchal e autor de alguns livros, onde relata a sua experiência da guerra colonial em comunhão com a igreja católica. Contudo, a realidade da vida de muitos camaradas no que toca à real "batalha-de-cada-dia" é que nunca tiveram em definitivo a necessária, justa, e merecida homenagem e, ou um suficiente apoio do Estado Português. É vê-los algures por esse país fora, espalhados um pouco por toda a parte e lamentavelmente esquecidos e remetidos ao seu próprio destino. E é aqui que, a conhecida Liga dos Combatentes também presente nesta região autónoma, julgo poder fazer um pouco melhor e mais abrangente no que toca à sua missão muito específica de ajudar a todos, apesar da sua particular motivação pelos portugueses antigos-combatentes da 1ª Grande Guerra mortos na Batalha de La Lys.

“O conceito de antigo combatente, do ponto de vista legal, não se restringe aos ex-militares que participaram na chamada 'guerra do ultramar', incluindo também aqueles que estiveram nos territórios de Goa, Damão, Diu, Dadra e Nagar-Aveli (aquando da anexação pela União Indiana); Timor-Leste (entre o dia 25 de abril de 1974 e a saída das Forças Armadas portuguesas), bem como os militares que tenham participado em missões humanitárias. Porém, a guerra colonial é genericamente considerada como a que decorreu em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, entre 1961 e 1975, territórios para onde foi mobilizada a esmagadora maioria dos designados ex-combatentes”. Polígrafo.

Esperamos que, em consciência, este novo Governo agora de maioria parlamentar na Assembleia da República, e através do Ministério da Defesa Nacional, possa dar uma nova vida e outro rumo e sentido mais objetivo, determinado e abrangente a esta Liga. Se assim for, a mesma poderá então vir a ser realmente a Liga de Todos os Ex-Combatentes de Guerra e não apenas direcionar a sua atividade em prol de uma parte destes. Quero também focar o conteúdo desta carta em jeito de testemunho e apelo, e dirigir-me aos diferentes órgãos governamentais desta RAM e a outras instituições, para que possam fazer um pouco mais, por exemplo na área da saúde, valorizando deste modo as recentes palavras proferidas no Dia do Combatente pelo Representante da República, Dr. Ireneu Cabral Barreto, que objetivamente pediu um “reforço nos benefícios para os antigos combatentes”.

Termino na esperança de dias melhores no que respeita à qualidade da vida coletiva destes ex-combatentes agora a caminho da sua marcha final, e quero aqui deixar o meu abraço amigo e de paz para todos. Bem Hajam.

Vicente Sousa