Crónicas

A cerejeira em flor

E tantos anos depois continuo a ter saudades, faz-me falta a paciência e aquele calor, agora que o passado se torna mais distante

A cerejeira está em flor. Não teve água, nem cuidados, há anos que é assim. A minha tia Teresa era quem se ocupava disso, das flores, das árvores, tinha o coração do pai e do avô, dos homens que compraram e plantaram a terra. Sabia como cuidar, tinha atenção à chuva, às fases da lua. Tenho saudades dela. E agora, quando desço a escada, lembro-me como era magra, diligente e tão tímida.

Não sei se alguém alguma vez chegou a saber como era de facto, o que sentia e o que pensava. A tia Teresa ouvia e falava pouco. Sei que gostava de chocolates e que me comprava gelados na festa da Visitação. Lembro-me que me levou ao velório do D. Francisco Santana e que, pelos anos, oferecia-me livros. E tratava-nos como se fosse uma segunda mãe. O que dizia valia tanto como o que dizia a minha mãe.

E nós tínhamos mais tias, crescemos cercados por mulheres de meia idade que interferiam, davam conselhos e dinheiro, mas era diferente com a tia Teresa. Por ela, íamos para cima do terraço, no calor de Julho, desfolhar feijão. Ou cortar as barbas aos alhos nos dias mornos e cinzentos de Junho. Fazíamos o que pedisse, que ela sabia pedir e compensar com um chocolate escondido dentro de uma gaveta.

Era isso e mais tudo o que fazia no quintal, na fazenda e ninguém era capaz de dizer não ao que pedia. Porque era a tia Teresa ou Teresinha para os vizinhos, porque era doce e de bom coração. As pessoas tinham dificuldade em lembrar de uma briga, de uma palavra mal dita ou de uma intriga. E, apesar de assim ser, não se sabia o que sentia, como via o mundo e os outros. Às vezes nem mesmo nós, os que vivíamos todos os dias com aquela mulher morena, de cabelo muito preto.

Sei que sofreu muito no dia em que o meu avô morreu, que não foi capaz de ir ao funeral da minha mãe e que chorou quando o cancro levou a minha prima Ana. Uma vez por outra, quando não estava mais ninguém, falava comigo, dizia, naquela maneira brusca das pessoas tímidas, que não gostava de um vestido ou que tinha planos para comprar um casaco e que queria a minha opinião, mas nem eu soube alguma vez quem era de facto aquela pessoa que me acolhia com o calor das mães e ficava feliz quando ia almoçar com ela.

Sou capaz de enumerar as vezes que fui ver procissões, que assisti à via sacra e às missas do parto e as cerimónias da Semana Santa e até aprendi a gostar de cães com a minha tia Teresa. E tantos anos depois continuo a ter saudades, faz-me falta a paciência e aquele calor, agora que o passado se torna mais distante. A tia Conceição está perdida naquele labirinto da demência e, na casa do meu avô, a cerejeira em flor mostra-me que houve um tempo em que era mais bonito, mais promissor.