Comunidades Mundo

Meio milhar de organizações contra projecto venezuelano de Lei de Cooperação Internacional

As organizações subscritoras lamentam esquecimento de questões como direitos humanos e ajuda humanitária.   Foto MARTIN BERNETTI/AFP
As organizações subscritoras lamentam esquecimento de questões como direitos humanos e ajuda humanitária.   Foto MARTIN BERNETTI/AFP

Meio milhar de organizações da sociedade civil e 250 pessoas emitiram um comunicado público a alertar sobre as "consequências devastadoras" para os venezuelanos da aprovação de um projeto de Lei de Cooperação Internacional (LCI) em debate no parlamento.

"Se for aprovado haverá consequências ainda mais devastadoras para os mais vulneráveis e para a sociedade civil venezuelana, fechando o acesso ao apoio da comunidade internacional à proteção, assistência e desenvolvimento da população em matéria económica, social, civil e humanitária", explica-se no documento.

Segundo o comunicado, em causa está um direito humano estabelecido em tratados internacionais assinados pela Venezuela.

"A complexa emergência humanitária que se instaurou na Venezuela em 2015 tem causado grandes estragos em todas as necessidades básicas da população, que também teve de lidar com os efeitos da pandemia [da covid-19].  Milhões de pessoas estão em insegurança alimentar no país e 6,1 milhões de venezuelanos tiveram de abandonar as suas casas [emigrar], segundo a Plataforma de Coordenação Interagências para os Refugiados e Migrantes da Venezuela", explicam.

Os subscritores acusam o regime de "reinterpretar a definição de cooperação internacional de acordo com os interesses ideológicos, políticos e económicos, deixando de fora conceitos essenciais como os direitos humanos e a ajuda humanitária".

"A intenção é controlar e punir qualquer pessoa ou organização que não se submeta à sua interpretação, o que inclui toda a sociedade civil nacional e organizações internacionais. Isto inclui a possibilidade de deixar sem efeito as obrigações e compromissos do Estado em acordos com organizações de cooperação internacional caso não se adequem à finalidade do projeto de lei", sustentam.

No documento aponta-se ainda que tendo o Estado venezuelano "normas e instrumentos legais suficientes para agir em matéria de cooperação internacional", este projeto procura "transferir a sua exclusividade para o Governo" e que "só ele poderá receber, transferir e trocar recursos humanos, bens, serviços, financiamento e tecnologia dos organismos cooperantes, e dispor deles segundo prioridades e critérios discricionários".

"Estabelece-se um novo sistema de autorização estatal, chamado de sistema integrado de registo obrigatório, adicional aos registos civis e fiscais que as associações cumprem (...), o Governo reverte a habilitação das associações", explica-se no documento, precisando que a lei afeta também os sindicatos, instituições académias e associações de direito privado.

No documento alerta-se que estão a ser "violadas todas as garantias de proteção dos direitos" e criado um novo sistema sancionatório, com poder para proibir, suspender, restringir ou eliminar qualquer associação que, a critério discricional o Executivo considere que promove ou participa em atividades contrárias aos interesses do Governo".

Adicionalmente, está a obrigatoriedade de "fornecer informações às autoridades públicas ou a qualquer outra pessoa sobre a sua constituição, estatutos, atividades, bem como a origem, administração e destino dos recursos da cooperação, com especificação detalhada das suas fontes de financiamento, ficando sujeitas a possíveis auditorias por parte das autoridades".

"Este projeto viola as normas de cooperação internacional e os direitos da sociedade civil ao exercício das liberdades de associação, reunião pacífica, expressão, direito de defesa dos direitos humanos e a iniciativa de prestar assistência humanitária, dando um passo definitivo no sentido do encerramento das fontes de cooperação para o desenvolvimento e assistência humanitária, como continuação de uma política de restrições arbitrárias, de criminalização e perseguição contra organizações da sociedade civil, ignorando as recomendações de organismos de proteção internacional", explica-se no documento.

Um grupo de deputados da Assembleia Nacional (onde o 'chavismo' detém a maioria) anunciou recentemente que a Comissão de Política Exterior, Soberania e Integração daquele organismo tinha iniciado os debates sobre a Lei de Cooperação Internacional.

O conteúdo do projeto-lei ainda não foi divulgado oficialmente, mas as organizações não-governamentais dizem estar a circular vários esboços atualizados do seu conteúdo.

Em 2006, 2010, 2015 e 2016, deputados afetos ao 'chavismo' tentaram, sem sucesso, avançar com este projeto-lei.