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Falta coragem para admitir

As famílias (muitas) são igualmente responsáveis por este sistema incompetente

A minha prática clínica mostra-me diariamente que a escola devia ser, e não é, uma aprendizagem para a vida.

Um espaço, onde mais do que as matérias, deveria ser possível que cada um se descobrisse e mesmo se reinventasse. A confiança e o prazer em aprender é a base do sucesso.

Não vou aqui falar das práticas pedagógicas adequadas porque sei que a maior parte dos professores sabe do que falo sendo que alguns vão tentando, contra a maré, implementar projetos e práticas educativas mais ajustadas.

A verdade é que, como tem sido notícia, a carreira do ensino está a cair em descrédito e cada vez há menos jovens adultos a interessar-se por esta prática profissional.

Para além dos motivos apresentados frequentemente na comunicação social, a verdade é que a carreira docente mostra-se cada vez mais desfasada da realidade não sendo apelativa nem para quem ensina nem para quem aprende.

As crianças sem infância não têm na escola a possibilidade de se reconstruir e as crianças com infância, mas que não correspondem ao padrão normativo, também se sentem indesejadas. As impossibilidades do sistema não permitem que todos possam exprimir as suas competências de vida, sendo por isso apreciados e valorizados.

As famílias (muitas) são igualmente responsáveis por este sistema incompetente. Também elas esperam da escola conceitos e matérias que tornem os seus filhos rapidamente adultos com competência para, o mais depressa possível, encontrarem uns, um trabalho digno, outros um doutoramento em tempo recorde.

Esta pressa, sem espaço nem tempo para crescer saudavelmente, tem riscos para o desenvolvimento e para a formação de adultos. Uma sociedade desnivelada cria instabilidade e desvios na organização. Gera pobreza, desemprego, comportamentos de risco, ou seja, insatisfação e insegurança.

A educação é a base. Sim precisamos de cativar jovens para a carreira docente com condições adequados ao nível de exigência das suas funções e com formação, também adequada, às necessidades atuais que exigem uma profunda reforma e atualização do sistema. Reivindicar de dentro para fora e de fora para dentro.

Já não basta remendar, nem esperar que outras áreas, nomeadamente a psicologia, resolva a complexidade do sistema que se exprime nos inúmeros pedidos de consulta a crianças e jovens que não estão bem porque lhes é impossível estar.

Chega de sobrecarregar os alunos com aulas sobre aulas de apoio e de recuperação. Chega de criar gabinetes de explicação, desde o primeiro ciclo, para compensar, com esforço financeiro dos pais e do sistema, as impossibilidades, insistindo no padrão dos melhores resultados independentemente do objetivo principal, o crescimento saudável.

Todos sabemos isto, falta é a coragem para admitir.