Artigos

Quando a inflação chega, é para ficar

No final do 1.º trimestre de 2022, a conjuntura económica portuguesa mudou e para pior. A tendência de estabilidade inverteu o sentido e começou a desacelerar, como reflexo dos efeitos negativos crescentes da invasão da Ucrânia pela Rússia no passado dia 24 de fevereiro. Desde então, a intensificação das sanções económicas, financeiras e o crescimento dos preços da energia e matérias-primas têm vindo a penalizar o sentimento e clima económico.

O tsunami já está a chegar. A nível global, o ambiente é perfeito para a criação de um tsunami de larga escala: (1) A economia chinesa, tal como grande parte das economias asiáticas estão a desacelerar; (2) para além da onda de refugiados, a invasão da Ucrânia também trouxe o aumento dos preços das farinhas e do gás natural; (3) a presente indefinição do resultado eleitoral em França e de uma vitória da extrema direita poderá comprometer toda a União Europeia; (4) o aumento das taxas de juro e o aumento da inflação, que veio para ficar, irá significar novas perdas no rendimento das famílias, tanto em Portugal, como um pouco por toda a Europa, e nenhum governo será capaz de a travar.

Os indicadores semanais de atividade económica, do Banco de Portugal e da OCDE, sinalizam uma aceleração do crescimento económico, em termos homólogos, para 7,7% e 8,2% no 1º trimestre de 2022, respetivamente. Contudo, as dinâmicas trimestrais sinalizam uma divergência, com o Banco de Portugal a desacelerar e a OCDE a acelerar face ao 4º trimestre de 2021. A estimativa de crescimento do PIB é de que a atividade económica terá desacelerado em cadeia, nos primeiros três meses de 2022, para 0,3% face aos 1,8% registados nos últimos 3 meses de 2021. Contudo, deverá resultar num crescimento homólogo de 10%. Este forte crescimento homólogo deve ser visto com alguma prudência, porque decorre da contração verificada no 1º trimestre 2021 (-3,2%) fruto da pandemia, cujos maiores contributos poderão surgir da expressiva recuperação do consumo privado e das exportações. A evolução positiva da confiança dos consumidores travou a fundo em março, cujas causas se devem ao contexto de guerra na Ucrânia, que afetou negativamente as expectativas relativas à evolução futura da situação económica do país e da situação financeira do agregado familiar. Em março, as perspetivas de realização de compras importantes sofreram uma forte redução, também influenciada pelas perspetivas relativas à evolução futura dos preços, que registaram a maior subida desde setembro de 1997.

A taxa de inflação, que como já vimos, teve o seu início com o alívio das medidas restritivas decorrentes da pandemia, acelerou ainda mais em fevereiro de 2022, para 4,2%, fruto do efeito da subida dos preços da energia e alimentação que adicionou 1 ponto percentual, pelo que a inflação subjacente (que exclui alimentação e energia) acelerou a um ritmo mais moderado, mas ainda assim para 3,4%. Já ninguém se lembra muito bem como é viver com inflação à séria, por isso o governo português desenhou um orçamento onde diz “acreditar” que a inflação estagnará nos 4% e que a guerra não irá durar por muito mais tempo. Por isso ninguém pense que o Governo irá dar aumentos salariais acima da inflação como vinha prometendo nos últimos anos, porque têm medo que um aumento nos salários possam provocar uma forte pressão inflacionista. Mas para que isso acontecesse, era necessário que o aumento do salário real for superior ao aumento da produtividade, o que claramente não acontecerá. Neste sentido, podemos concluir que a ideia do governo é usar a redução dos salários reais para travar internamente a inflação. O problema é que a inflação tem origem na oferta externa e não na procura interna, pelo que cairemos inevitavelmente num novo e longo período de redução do poder de compra, porque não serão os aumentos salariais que irão influenciar a formação dos preços dos produtos, mas sim fatores exógenos na oferta, como aliás sempre aconteceu em Portugal.