Crónicas

“Delete” Opinião

Somos todos Charlie Hebdo menos quando mexem com os nossos gostos, somos todos Abril quando não tocam nas nossas convicções

Ter opinião e escrevê-la ou verbalizá-la é por estes dias um desafio. Escrever num jornal e ser, sem filtros, amarras ou dependências, tornou-se num exercício de equilibrismo sem rede em que uns optam por ser politicamente corretos, sucumbindo à pressão e ao que as pessoas querem ler ou ouvir e outros sujeitam-se a ser saco de pancada destas novas hordas do pensamento único que invocam sistematicamente Abril mas que não aceitam uma ideia diferente, um outro ângulo ou ponto de vista. O pensamento próprio fez-se velho e cansado, não é bem visto e ( quem diria! ) transformou-se em delito, alvo de cancelamentos, críticas obscenas e ataques pessoais que voam muito para além do que é escrito ou se tenta transmitir. Vemos isso todos os dias. Pessoas a serem trespassadas, as suas famílias, o seu dia a dia. Gente abespinhada que não encontra fronteiras para a verborreia e que se estende muito para além do razoável. Privacidade que já não impõem limites nem se sabe fazer respeitar. Dizem que é a democracia e a liberdade de expressão onde tudo vale, tudo é permitido e atropelado sem apelo nem agravo nem que isso muitas vezes configure um atentado aos valores mais básicos de um cidadão.

Fui avisado disso quando comecei a escrever e disso fui tomando boa nota, através de alguns emails e de uma ou outra abordagem na rua. Também há os outros, os que se comunicam através de criticas construtivas, os que aparecem com uma ideia que complementa, que constrói e que nos permite também a nós crescer e evoluir. Tenho por hábito não ler o que comentam nas redes sociais, deixei há muito de dar sequer importância às ofensas pessoais e aos dislates de gente que não presta ou que simplesmente não tem mais nada para fazer. Há por aí muita criatura amargurada que só está bem com o mal dos outros e que se baba com a sobremesa servida em caldo de ódio. Ainda agora assistimos ao tema Cristiano Ronaldo. De um lado os que amam e não veem mais nada à frente nem a própria realidade do outro os que detestam e estavam pacientemente à espera do dia do declínio para poder apontar o dedo e recriminar. Não houve espaço para mais nada para além disto e quem escreveu letras válidas e fundamentadas foi devorado por um batalhão de fundamentalistas que rapidamente tentou fazer uma colagem de guerrilha, lançando para o confronto quem se atreveu a dizer qualquer coisa sobre a matéria.

Somos todos Charlie Hebdo menos quando mexem com os nossos gostos, somos todos Abril quando não tocam nas nossas convicções. Porque de contrário a ordem é para destruir, não interessa se é verdade ou não, nem dar o direito de alguém se explicar. Tomamos tudo como pessoal, somos muito sensíveis ao toque e crescem-nos garras nas mãos assim que algo não nos parece fazer muito sentido. As redes sociais vieram piorar tudo ainda mais com a possibilidade de criar perfis falsos e de se poderem dar opiniões sem rosto, escondidos atrás de um teclado, várias vezes lançando notícias falsas mas elas não explicam tudo. O problema são na verdade as pessoas, os trauliteiros que se alimentam da confusão, que se permitem dizer o que quer que seja e que se arrogam no direito de denegrir a imagem de qualquer um com frases azedas e considerações de teor pessoal com o objectivo de atingir, de magoar ou de prejudicar intencionalmente. É por isso muito mais fácil ficar calado, não dizermos o que pensamos, guardarmos para nós os conceitos que defendemos, o que provoca naturalmente uma discussão poluída que afasta quem tem uma opinião diferente e que nos vai enviesando para uma época de pensamento único, onde tudo o que sai do que parece bem não pode sequer ser colocado ao debate nem lançado numa mesa.

Esse é mais um repto que deve ser lançado à “geração que ( supostamente ) vai mudar isto tudo”. De encontrar formas de liberdade que respeitem a liberdade dos outros, onde existe espaço para o confronto de ideias e para o aparecimento de novas sem que a inquisição dos tempos modernos possa agarrar novamente no lápis azul para tudo censurar. A nova PIDE veste agora um fato novo, com diferentes personagens e atores. É importante termos essa consciência e sabermos pelo que estamos a passar. O Mundo sempre se fez, evoluiu e cresceu à custa de mentes que desafiaram o óbvio e que ousaram pensar diferente, sem o medo de serem pendurados em praça pública. A forca desta vez é outra e vem disfarçada de boas intenções.

Espero que este Natal traga à nossa sociedade a capacidade de se entender melhor mas acima de tudo de nos respeitarmos na diferença. De permitirmos que os outros pensem de forma diferente e aceitarmos que esses possam ter o direito de o dizer da mesma forma mesmo que à partida nos pareça um absurdo. Que as nossas convicções não nos permitam passar para o lado da ofensa mas que nos transcenda o espirito para discussões ousadas mas leais. Que possamos ser melhores sem ser básicos e mais interessantes sem nos sentirmos espartilhados por um colete ideológico.