Crónicas

O Debate do Orçamento

Na senda de George Mallory, a Mané subia montanhas “porque estão lá”. Ia mesmo mais longe, quando não as encontrava, criava-as

1Por trás de mim, ecoam os acordes do Adágio de Albinoni. É uma peça que familiarmente nos diz muito. O meu momento é de dor. Sentida, profunda. Podia não ter deixado sair esta crónica que já estava escrita. Mas no meio desta anormalidade, que é perder alguém que amamos, é pela rotina, pelo manter a vida a viver que nos salvamos.

Nos portulanos e mapas medievais, quando os cartógrafos não sabiam o que existia, escreviam: “daqui para a frente só há dragões”. Cada um vive com os seus, pois nunca sabemos o que o amanhã nos reserva. É tão importante viver. E viver implica sempre liberdade. Tenho para mim, que a minha irmã foi uma mulher livre. Livre nos excessos, no abraçar os desafios que, muitas vezes, não sabia desenlaçar. Livre porque sempre pelo coração. A razão vinha depois, racionalizar o que fazia era de somenos. Muitas das vezes não era entendida e vivia muito bem com isso. Na senda de George Mallory, a Mané subia montanhas “porque estão lá”. Ia mesmo mais longe, quando não as encontrava, criava-as.

Era desimportada, interessada e tinha uma enorme incapacidade de ver o outro a sofrer. Na semana passada, quando confrontado com um caso de carência, de desinteresse por parte de quem se deveria interessar, recorri ao seu conselho. Fez muito mais do que isso, não descansou enquanto não viu o assunto devidamente encaminhado. Ficava sempre angustiada quando não conseguia fazer nada. Agora a angústia é nossa.

Dá um beijo à mãe de todos nós. Amo-te muito.

2. Assisti ao debate do Orçamento Regional na Assembleia por duas vezes, na abertura e no encerramento, onde segui a apreciação e votação na especialidade e votação final global do PIDDAR e do OR.

Não vou aqui falar dos documentos em discussão, pois já escrevi sobre isso e secundo as posições da Iniciativa Liberal sobre o assunto. O Orçamento Regional 2023 é socialista, assistencialista, miserabilista. É mau demais para ser verdade.

Mas o que aqui me traz é outra coisa. Começo por pedir desculpa às minhas companheiras, Alícia Teixeira, Carla Chatterley, Helena Figueiroa, José Carlos, José Augusto e Pedro Pereira, que me acompanharam, pela contínua sessão de má educação, de arrogância, de tentativas de humor boçal. Vergonha alheia. A esmagadora maioria dos senhores deputados passam o tempo a papaguear. São bocas de um lado para o outro, piadolas desengraçadas, interrupções, desrespeitos. Uma enorme falta de chá, do qual poucos se podem gabar de fugir.

Um presidente sem mão, que em vez de se comportar como um “primus inter pares”, se alheia da pouca-vergonha que se passa à sua frente.

Mas ainda há pior: a bancada do Governo. Quem devia comportar-se com elevação, quem devia governar pelo exemplo, não o faz. Incita, descomporta-se, fala em tom arrogante típico dos “donos da verdade”, dos que tudo sabem e nunca erram.

Quando era puto, e andava a estudar no secundário, cheguei a ter turmas com mais de 40 alunos. A ALRAM é isso que parece: uma turma com 47 miúdos na idade da parva (uns mais do que os outros) que não percebem a diferença entre ser engraçado e ser engraçadinho. Muita testosterona no ar e uma enorme falta de bom-senso e respeito. E com um professor que não tem mão naquilo. Sempre que lá vou, saio com a sensação de algum destrato para com as senhoras deputadas.

Super-homens, super-heróis da treta, da incultura, do não saber estar.

Não merecemos melhor do que isto?

3. Miguel Albuquerque disse, na ALRAM, no final do primeiro dia de debate do Orçamento, que, para andar na política, é precisa coragem. Especificou: coragem mental e física.

Comprovo a mental. Para aturar coisas que certas figurinhas da política regional dizem, é preciso uma enorme coragem mental. Tenho medo que aquilo se pegue.

Agora coragem física? Estará Albuquerque a pensar, como dizem os brasileiros, em “partir para a ignorância”?

Deus nos valha.

4. O Sr. Fonseca é uma diversão. Acreditem, diverte-me e muito.

Ouvi-o, à boa maneira socialista, congratular-se com a decisão do tribunal sobre a concessão dos transportes terrestres.

Não porque tenha visto a justiça a funcionar, como seria de esperar, mas porque isso impediu que “viessem para aí uns de fora que ninguém sabe quem são”. A sua preocupação não é a do que é melhor para o contribuinte, para o utilizador. O custo/benefício não é para aqui chamado. O que conta é o proteccionismo. Será isto um passo do CDS na direcção do socialismo da Grande Laranja?

É disto que os meus antigos companheiros no CDS Madeira gostam?

5. Uma das coisas que mais me espantou foi o programa da cultura socialista da Grande Laranja. Um sector onde o empresariado é residual, o subsídio o mote e o mecenato inexistente. Uma mão-cheia de nada.

“Se estão à espera de um evento medieval no Porto Santo, que foi descoberto em 1480, está tudo errado”, Secretário do Turismo e Cultura dixit… Cultura! CULTURA! Corrigiu a seguir, porque lhe sopraram…

Criticou um evento de recuperação medieval no Porto Santo, mas em Machico já está certo apoiar um evento medieval. Deve ter sido descoberto em 785…

e ninguém sabe.

6. O meu bom amigo Rui Lopes criou uma palavra nova que ajudei a definir: EGOCUBRAÇÃO — trabalho intelectual de um deputado a massajar o ego.

7. Disse a Sra. Secretária do Ambiente: “Há apenas uma zona em que… é estando no Montado do Paredão vê-se sair o teleférico em frente”. Presume-se, então, que quando o teleférico sai do outro lado, da Boca da Corrida, sai e desaparece. Não se vê. Aquele autocarro alado sai dali e puffff… curva apertada à direita a fundo e lá vai ele… invisível. Da Boca dos Namorados também não se vê nada. O Luís de Matos vai lá e faz perlim-pim-pim. Nem da Eira do Serrado.

O Curral das Freiras é um vale de saída única. Quase redondo. Aquele trambolho será visto de todo o lado. Não se esconde. Não desaparece. E nem falarei da vista do próprio Curral, que vale pela envolvência, pelas montanhas e não precisa de ter um mastodonte a voar por cima das cabeças.

8. Devo viver no céu e não sabia. Sou governado por pessoas que sabem tudo e ignorava. Pessoas que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas” e desconhecia. Gente sabedora e conhecedora e estava nas trevas. Seres superiores de enorme gabarito que desvalorizei. Mulheres e homens perfeitos que desconsiderei.

Fez-se luz. Sou um privilegiado. Somos ungidos por tão brilhante conjunto de governantes. Foi Deus. Só pode ter sido Deus que nos deu tamanho privilégio.

Povo superior? Não, não somos. Somos o novo POVO DE DEUS. Ou será POLVO DE DEUS?

9. O meu agradecimento ao deputado Carlos Rodrigues por se referir a mim e à IL — sem nos dizer os nomes — na intervenção que fez em nome do seu partido, no final do debate do Orçamento. Se não foi inédito, um deputado se referir a alguém de um partido sem representação parlamentar que se encontra sentado na galeria, deve ter estado lá perto.

10. A não presença do Sr. Presidente do Governo na votação final global é um desrespeito à Casa da Democracia e da Autonomia.

11. Sérgio Gonçalves é tão, mas tão liberal, que fica desde já convidado!

12. A frase do debate: “Useira e vozeira”…