Crónicas

A arte de mal governar

Andamos com o CINM às costas sem o saber explicar, sem realizar lobbying pela sua manutenção e alargamento

1. Disco: como o espaço hoje não é muito, deixo duas sugestões: “Fossora”, de Björk, e “Cool It Down”, dos Yeah Yeah Yeahs.

2. Livro: pelo mesmo motivo, fica a sugestão de leitura de modo mais curto, “Independente Demente”, de Miguel Esteves Cardoso. Crónicas que escreveu no Independente. Uma delícia.

3. Abusando do que Ortega y Gasset escreveu, a boa governança, o bom governo, é o conhecimento e o modo como se reage às circunstâncias.

Ser sabedor do que se gere, rodear-se de quem sabe, estudar os diferentes “dossiers”, são tudo coisas que preparam para a arte de bem gerir, deixando os governantes mais preparados para lidar com competência com o que é circunstancial, mas determinante.

Por mais que me esforce, e considero-me pessoa interessada e atenta, muito pouco, ou quase nada, tenho visto que prepare os nossos decisores para que bem nos governem. Olhar o passado para compreender o presente e perspectivar o futuro. A história não se repete, mas ensina.

A economia move-se por ciclos. Ciclos de crescimento, ciclos de estagnação, ciclos de retracção, etc. Alterna entre momentos saudáveis e não saudáveis. O imediato, o médio e o longo prazo. Alguém consegue indicar medidas que tenham a ver com qualquer coisa que esteja para lá dos ciclos eleitorais? Miguel Albuquerque reconheceu que governa pelo imediato ao “Açoriano Oriental”. Quer gostemos ou não, estamos em fim de ciclo. Um ciclo que parece nunca mais acabar, porque tão igual. Pior não pode ser, embora a tendência seja sempre a de conseguir, quando batemos no fundo, encontrar um novo fundo para o fundo.

A educação, a melhor ferramenta de alavancagem social, é pouco mais do que miserável. Não tem a ver com formar, qualificar, transmitir conhecimento, mas sim com os números que consegue apresentar. Quem passa, quem perde, as notas, a assiduidade e a falta dela, as desistências, os gráficos, o “sucesso e o insucesso”. Ou seja, andar de fita métrica na mão a medir tudo o que mexe ou respira, coisas que, na maior parte das vezes, muito pouco têm a ver com educação.

Na saúde, que também nos preocupa a todos, são as consultas adiadas, as operações que não se fazem, os exames complementares com enormes listas de espera, trapalhadas atrás de trapalhadas, pois não há um programa que oriente a médio e longo prazo o caminho a seguir e onde almejamos chegar. Ah, temos o novo hospital, a solução milagrosa de todos os problemas…

Na inovação e tecnologia, mesmo reconhecendo a existência na região de projectos emergentes muito interessantes e a dar cartas, não fossem os privados e estávamos na idade da pedra. Nos serviços públicos, tecnologia e inovação são palavras proibidas. O que conta é o papel, o papelinho, a assinatura e a rubrica. Uma burocracia que tudo entope e impossibilita.

Na competitividade somos de pouco, quando temos tudo para ser de muito. Um destino turístico que se devia afirmar pela exclusividade, pela beleza do azul do mar, do verde da paisagem e do negro do basalto, quer competir com destinos massificados, baixando constantemente a fasquia, em vez de a subir. Estamos perante a “canarização” daquela que é a nossa mais importante ferramenta económica (até porque muito pouco se fez para ter outra). Já fomos exclusivos e, por falta de jeito, conhecimento e despudor, passámos a mais uns, quando o que devíamos, era ter trabalhado para manter o que éramos, com a obrigação de melhorar. Prevalece o betão, a megalomania, a soberba.

Produzimos pouco, comerciamos menos. Ser grande é estar aberto para o mundo. Só assim seremos iguais. Temos pouco, muito pouco. Uma agricultura arruinada, de onde todos fogem, uma indústria quase inexistente e pouco produtiva.

Andamos com o CINM às costas sem o saber explicar, sem realizar lobbying pela sua manutenção e alargamento. O que devia ser a porta de entrada para o tão necessário sistema fiscal próprio, de fiscalidade reduzida, continua a cultivar problemas, destratamentos e falta de empoderamento.

Como ilhas que somos, são determinantes os problemas que a geologia nos cria. Está tipificado por entidades tão idóneas como o Banco Mundial. São poucos os estudos nesta área e os que existem são ignorados, pois, quem de direito não os entende. A geologia impõem-nos uma orografia perante a qual somos mais reactivos do que proactivos.

A distribuição de recursos é inexistente e não obedece a qualquer tipo de critério. Uma trapalhada. Enfia-se dinheiro em desnecessidades para tapar o buraco da incompetência. É levantar o nariz do chão e dar encontrar as evidências espalhadas por todo o lado.

A gestão de recursos humanos é desastrosa. Onde o pouco deveria resultar em muito, o princípio aplicado é o de consignar muito para ter muito pouco.

Nas infra-estruturas mora um dos maiores desastres desta governação rasca. Fazem-se obras a granel, que nunca se sabe quanto vão custar no final. No preço não se incluem os custos de manutenção, que raramente é efectuada, custando, quando necessária porque começa tudo a cair e a se desfazer, quase o preço da obra. Fiscalização deficiente e aceitar obras feitas com materiais de segunda cobrados a preços de primeira, é o pão nosso de cada dia.

O investimento, se excluirmos o betão e o alcatrão, é de menos. Repito o que aqui escrevi na semana passada a propósito do Orçamento Regional: uma região que gasta metade do seu dinheiro em itens improdutivos, nunca poderá prosperar criando riqueza.

O modelo de governação está gasto, estafado. É disfuncional, pois cria expectativas que não cumpre. As instituições da Autonomia tornaram-se numa enorme agência de emprego para os partidos que nos gerem. O desrespeito pelo Estado de Direito é gritante e a muitos níveis, desde a aplicação da justiça, até às considerações idiotas feitas por (i)responsáveis sobre as liberdades, direitos e deveres dos cidadãos madeirenses.

O estado demográfico a que chegámos é, por demais, preocupante. A falta de habitação a preços acessíveis, empregos com flexibilidade horária, desemprego ou emprego precário, etc., são factores que contribuem para as atuais baixas taxas de fertilidade e de nascimento. A boa governança tem de tudo fazer para fornecer cuidados de saúde reprodutiva e assistência social, de modo a alcançar as taxas de natalidade exigidas e ter uma população mais jovem que contribua para o futuro. Não há caminhos, não há objectivos, não há uma luz no fundo do túnel.

Somos completamente destituídos de capacidade de inovação, de inventar soluções credíveis para aplicar ao que está mal ou que tem resultados ineficientes. Copiamos, mal, o que outros fazem, sem ter em consideração as nossas idiossincrasias, as nossas particularidades. Porque habituados à tanga de sermos superiores, recusamos chamar quem sabe para que nos ensine. Devemos ser o único sítio no mundo onde não se adquire mais conhecimento do que se perde. Nem ao “breakeven” conseguimos chegar. Não pode haver produtividade sem inovação e capacidade de criar. E ambas têm a ver com conhecimento, com bom conhecimento que nos alavanque economicamente.

Finalmente a distribuição de riqueza. Tudo acumulado nas mãos de meia dúzia, uma classe média asfixiada e pobreza, muita pobreza.

E o que faz o Governo desta Autonomia Socialista da Grande Laranja? Nada. Assobia para o ar, diz banalidades, omite os números tratando-os como lhes convêm, finge que nos governa.

Repetir à exaustão fórmulas gastas, velhas, estafadas, não nos levará a lado nenhum. Tudo controlar, numa verdadeira sanha socialista, não deixando os mecanismos naturais funcionar, prejudica-nos constantemente. Não tolerar que as pessoas façam as suas escolhas, é reduzi-las a meras engrenagens sem importância. Não permitir que o mercado funcione, supervisionando-o e interferindo o mínimo, é não acautelar o futuro.

Não será chegado o momento de acabar com isto? O caminho da Autonomia não pode ser este. Tem que ser muito mais. Muito mais do que isto que temos. Um caminho que não deixe ninguém para trás, que dê mais aos que têm menos e menos aos que têm mais. Precisamos de novas políticas e de novos protagonistas, porque estes não prestam.