Crónicas

Ser e parecer

Em Portugal existe muito a ideia de primeiro Mundo. Achamos que por estarmos na União Europeia fazemos parte do grupo dos fortes e evoluídos e que somos muito modernaços. A verdade é que se olharmos à nossa volta e quando digo à nossa volta é para os países que compõem a comunidade, temos seguramente 10 ou 15 anos de atraso. Basta ver certas modas, que chegam cá sempre anos depois de começarem noutros sítios. O que me faz maior confusão, é no entanto a forma como nos tornamos obcecados por certos conceitos que estão na ordem do dia, como o racismo, a sexualidade, a discussão de género, mas olhamos muito pouco para um problema estrutural da nossa sociedade. A incapacidade para conseguir desenhar a nossa sociedade sob os princípios da meritocracia. Nenhuma sociedade pode ser justa se os melhores não conseguirem atingir os postos mais altos por mérito próprio, se os que trabalham mais não forem recompensados em relação aos que preguiçam, se os que ousam sonhar e arriscam toda uma vida, trocando a estabilidade por um sonho e o concretizam, não forem premiados. Eu pelo menos sou um fanático pela meritocracia. No nosso país estamos nos antípodas desse mesmo conceito. Por essa razão nunca nos poderemos arrogar como um espaço de liberdade e de oportunidades nem de uma sociedade evoluída.

Portugal por muito que nos custe a admitir ainda é feito do faz de conta. É aquele que é tratado com maior deferência porque é de boas famílias. Mesmo que não faça um charuto, o outro que teve que trabalhar o triplo para lá chegar só é mesmo aceite depois de provar vezes e vezes sem conta. Dividimos as pessoas consoante o valor dos pais, dos primos ou dos tios. Rebaixamos da mesma forma. Uns podem errar 10 vezes enquanto outros à primeira são trucidados. Isto passa-se em cada cidade, em cada vila, aldeia ou povoação. Há uns que por ascendência são bons e outros que são olhados de lado. Grande parte das empresas em Portugal contrata através de cunhas, o amigo que vem através do amigo, aquele que foi sugerido por fulano, o outro que vem das juventudes partidárias. Vamos prejudicando as empresas, os institutos, as instituições públicas e privadas em prol de agradar aquela pessoa que admiramos, que respeitamos ou que tem um certo ascendente sobre nós. Fazemos na expectativa de cair nas boas graças, de conseguirmos enfim fazer parte, de nos integrarmos naquele grupo. É assim que muitas vezes vamos deixando para trás quem realmente tem qualidade, quem é melhor e se distingue em todas as áreas menos no suposto sangue “azul”.

Praticamos muito pouco a meritocracia. Primeiro eram só homens, escolhidos à frente só porque eram homens, agora a paridade em que as mulheres têm em vários espaços de influência os mesmos assentos. Pouco interessa se existe valor, se é justo, se estamos a deixar alguém para trás. O que importa é a imagem, o enquadramento politicamente correto em relação ao mundo. Continuamos a privilegiar os interesses, o compadrio, os amigos, os que queremos agradar. Com isso deixamos tantas vezes de lado pessoas boas, com capacidade, outras ideias ou uma visão inovadora e nem o consegue-os ver. Vamos andando neste mundinho de vizinhos e famílias. Ainda há poucos dias, ao almoçar com uma amiga ela confidenciou-me que o cunhado era madeirense. Para perceber quem era liguei a um amigo da Madeira para me contextualizar. “É das famílias mais poderosas da ilha!” Disse ele. Não falou do que tinha atingido por mérito próprio, nem dos seus méritos ou feitos. “É das famílias mais poderosas da ilha!”. Como se o facto de fazer parte de determinadas famílias fizesse dele alguém de relevo, um intocável, todo poderoso. Imagino que se fosse filho de um pescador de Câmara de Lobos engelhava o lábio ou dizia para ter cuidado que o rapaz era problemático.

Este é um problema que está entranhado na nossa sociedade. Não interessa falar dele, não é conveniente. Mas ele existe e é um dos fatores para a nossa fraca produtividade. Se o filho do homem do lixo deixa um papel em cima da secretária é um porco, se for filho de alguém importante está com um esgotamento, coitado, temos que compreender. Faz-me muita confusão não conseguirmos implementar na nossa sociedade a valorização do mérito, de quem é melhor, dos que trabalham mais, que são mais produtivos mas faz-me ainda mais espécie nem querermos saber. E não, o facto de recompensarmos os melhores não significa que abandonemos os outros, que os segmentemos ou ostracizemos. Enquanto não conseguirmos ter a capacidade de pensar no nosso próprio umbigo e dos nossos e perceber o que é justo ou não nunca conseguiremos atingir outros resultados. Basta ver a quantidade de pessoas que andam por aí encostadas por saberem que nada lhes irá acontecer.