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Centenas de cônsules honorários estiveram envolvidos em crimes

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Centenas de atuais e antigos cônsules honorários estiveram envolvidos em controvérsias ou em crimes graves, alguns foram mesmo condenados, abusando do seu estatuto diplomático, revela uma investigação de consórcios de jornalistas.

A investigação realizada por repórteres da ProPublica e do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revela que este problema arrasta-se há várias décadas, mas que foram muito poucos os governos que procuraram reformar o sistema que gere a atuação dos cônsules honorários, que está pouco regulado e permite vários excessos.

Entre os diplomatas denunciados por esta investigação encontram-se alguns que operaram em países de língua portuguesa, Angola e Brasil, num lote de mais de 500 atuais e ex-cônsules associados a controvérsias ou mesmo atividades criminosas.

Um destes diplomatas é Aziz Ibrahim Nassour, nascido na Serra Leoa, que serviu como cônsul honorário do Líbano em Angola, em meados da década de 1990, tendo sido acusado pelos serviços de informações da Bélgica de ter uma empresa ligada ao financiamento de organizações terroristas do Médio Oriente.

Nassour acabou por ser punido, em 2004, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, com sanções (que foram suspensas em 2015), por ter vendido diamantes africanos ilegais, para financiar essas organizações terroristas.

Um outro antigo diplomata denunciado pela investigação jornalística é Ali Koleilat, um libanês que serviu como cônsul honorário da Libéria no Brasil, que em 2004 foi sancionado pelo Conselho de Segurança da ONU, depois de ter sido acusado de entregar armas ao senhor da guerra liberiano Charles Taylor.

Koleilat também foi alvo de sanções por parte da União Europeia (UE) e pelos Estados Unidos, tendo acabado detido na Bélgica, em 2014, acusado de conspiração num caso de transporte de cocaína num avião.

Apesar de ter reivindicado proteção pelo seu estatuto de diplomata, Koleilat foi extraditado para os EUA, depois de ter sido detetado um plano para ser libertado por um movimento político do Líbano, que ameaçou procuradores belgas.

Koleilat acabou por se declarar culpado de tráfico de droga, este ano, tendo sido condenado a uma pena de prisão efetiva.

O cônsul honorário do Mali em Barcelona até há poucas semanas, José Luis Lopez Fernández, também foi investigado pelos consórcios de repórteres, que revelaram o seu envolvimento em tráfico de droga e lavagem de dinheiro -- casos que ainda estão sob investigação das autoridades espanholas.

Num dos relatórios, os procuradores espanhóis denunciam que os cônsules atuam "com total autonomia" e "não são controlados pelo Estado que representam", evidenciando constatações feitas em diversos destes mais de 500 casos agora expostos pela investigação jornalística.

Em várias situações, os cônsules usam e abusam do seu estatuto diplomático e da imunidade que lhes permite agir com grande liberdade nos países para onde foram destacados, ou servem-se do prestígio do cargo que ocuparam mesmo depois de o abandonarem.

Foi o caso de Ladislav Otakar Skakal, que serviu como cônsul honorário de Itália no Egito, até 2014, onde também trabalhou como gerente de barco para uma empresa de turismo em Luxor.

Já depois de ter abandonado a carreira diplomática, em 2017, Skakal terá enviado mais de 21.000 antiguidades egípcias -- incluindo moedas, potes e um caixão em madeira -- numa mala diplomática para a cidade portuária italiana de Salerno.

Em 2020, as autoridades egípcias condenaram o ex-cônsul honorário, à revelia, a 15 anos de cadeia, por tentativa de contrabando de antiguidades.