Crónicas

O bom, o mau e o cansado

Costa veio à Madeira, mas o que veio dizer podia ter sido dito em Freixo de Espada à Cinta ou na Figueira da Foz

A longa, e por vezes sofrida, maratona de entrevistas que a televisão regional fez aos candidatos à Assembleia da República foi fértil em momentos curiosos. Carlos Pereira, candidato socialista, foi protagonista de um deles. Em jeito de apelo ao voto, Pereira aconselhou os eleitores a tapar os olhos e a cara antes de colocar a cruz no PS. O pedido de Pereira lembra o apelo de Cunhal nas Presidenciais de 1986, com uma pequena diferença. Cunhal sugeriu tapar a cara de Soares antes de votar no socialista. A Carlos Pereira só lhe faltou pedir aos eleitores que tapassem a consciência antes de fazer a cruz no PS. Para tempos difíceis, estratégias inovadoras.

O bom: Eduardo Jesus

Depois da injusta suspensão do novo subsídio, uma boa notícia para a mobilidade dos madeirenses. Por decisão da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), os CTT serão obrigados a reembolsar as viagens feitas ao abrigo da tarifa TAP Plus. Com o novo entendimento, passam também a ser abrangidas tarifas semelhantes da Ryanair, Easyjet e Transavia. Obviamente, a decisão da ANAC não resolve os custosos problemas de mobilidade que afligem a carteira dos madeirenses, mas dá um sinal importante. O nosso subsídio de mobilidade não depende da vontade dos CTT. Quem se dirige a um balcão para pedir um reembolso conhece bem o calvário imprevisível em que isso se tornou. É a fotocópia que não serve. O e-mail que não está completo. O documento que está em falta. A declaração que não vale. Uma miríade de exigências burocráticas, que não constam da lei do subsídio, mas que são impostas por quem o paga. Se o subsídio de mobilidade nasceu na Assembleia da República, morre diariamente nos balcões dos CTT. É por isso que a intervenção de Eduardo Jesus junto da ANAC foi tão importante. Não só porque repôs a legalidade, mas porque aponta ao fim da impunidade administrativa que se vivia nos CTT. Afinal, de que nos serve um novo subsídio de mobilidade, se nem o atual – com as suas injustiças e limitações – conseguimos aplicar na totalidade?

O mau: Francisca Van Dunem

A dias da quarta eleição em pandemia, ainda não é desta que acertámos. Que o diga Francisca Van Dunem, ministra da Justiça emprestada, à última da hora, à Administração Interna. Depois de uma resolução do Conselho de Ministros que não previa o voto dos isolados, seguida de um alerta da Comissão Nacional de Eleições de que isso seria ilegal, secundado por um parecer da Procuradoria da República no mesmo sentido, cabia à ministra esclarecer o imbróglio eleitoral. Van Dunem adiou a primeira explicação, mas depois brindou-nos com uma conferência de imprensa que resume o desnorte governativo. A 11 dias das eleições, a ministra perdeu-se em possibilidades, recomendações, ideias, probabilidades e incertezas, em relação ao voto de quem está em isolamento. Tudo sintomático do que viria nos dias seguintes. Não há plano, mesas ou horário específico para o voto em pandemia. A única garantia, que deu o Governo, de que tudo correrá bem é o “comportamento exemplar” dos portugueses. Por outras palavras, estamos entregues a nós próprios. Mas a culpa não é só da ministra. Pelo menos desde Março de 2020 lidamos, diariamente, com uma pandemia. Desde então, realizaram-se duas eleições nacionais com as dificuldades logísticas por todos conhecidas. O que andou a Assembleia da República a fazer, desde 2020, que não encontrou tempo para adequar a lei aos tempos em que vivemos? Não só a pensar nos eleitores em confinamento, mas também no voto digital, no voto antecipado e noutras modalidades que facilitem a participação dos cidadãos. Depois não se queixem da abstenção.

O cansado: António Costa

Desta feita não houve saltinhos. Não houve ferry, promessas de milhões de euros, nem juras de amizade aos madeirenses. O que há, é cansaço na cara do secretário geral do PS. Enfado quanto à agenda que tem de cumprir e à cartilha que tem de repetir. Costa veio à Madeira, mas o que veio dizer podia ter sido dito em Freixo de Espada à Cinta ou na Figueira da Foz. O líder socialista está cansado e arrisca a que os eleitores se cansem dele. Isso ficou patente em todos os debates em que participou o, ainda, primeiro-ministro. Esteve sempre sobranceiro, maçado, e pouco preocupado com a veracidade do que dizia. Talvez por isso tenha sido o campeão das afirmações falsas, de acordo com a contabilidade de quem se dedica aos fact-checks. Da TAP ao Serviço Nacional de Saúde, passando pela sustentabilidade da Segurança Social até à suposta subida do rendimento das famílias, Costa dispensou-se sempre de dizer a verdade. Ao candidato apenas conhecemos a frase repetida à exaustão – só a vitória socialista garante estabilidade ao país. O PS ou o dilúvio. Foi a mesma mensagem que veio repetir a Machico aos apaniguados do costume. Se calhar, essa foi a verdadeira razão para António Costa ter vindo à Madeira. Entreter o séquito que o foi receber ao aeroporto e o perseguiu ao longo do dia. Entre eles, o candidato a presidente, o candidato a deputado que já foi presidente e o presidente que já não é. Deste trio, resta saber quem assumirá o resultado eleitoral na Região. Será que teremos um presidente demissionário a demitir-se pela segunda vez?