Crónicas

Brexit. Da euforia à depressão

A imagem que os portugueses sempre tiveram do Reino Unido (e mais propriamente dos ingleses) é inversamente proporcional à que têm de si próprios. Na verdade se por cá, pelos menos até há bem pouco tempo nunca nos dávamos o devido valor, sempre tivemos pelos bifes (como carinhosamente os apelidamos) uma admiração que muitas vezes excedeu a realidade. Talvez por nos gostarmos de gabar da mais antiga aliança diplomática (Tratado de Windsor) ou por serem o principal mercado emissor no que ao turismo diz respeito o que é certo é que tendemos sempre a julgá-los de forma condescendente e amistosa, contrariamente ao que fazemos vezes sem conta com os nossos vizinhos espanhóis ou até os franceses. Mas na realidade desde o princípio do século XX, na forma como exerceram pressão em relação às colónias sobretudo pela concorrência na produção de cacau até aos dias de hoje, como se comportaram fechando-nos as portas (sem razão aparente) em plena pandemia, nem sempre tem existido reciprocidade.Isto para dizer que se analisarmos com atenção aquilo que foi o século XX e o princípio deste, vemos um Reino Unido cheio de altos e baixos, de momentos bons e maus e de uma autêntica montanha russa de sensações que os levou de estados de euforia para uma impactante depressão. Desde o milagre da sobrevivência à segunda grande guerra que podia ter afundado e humilhado aquela que era considerada a grande armada naval do mundo até à forma como tiveram que ser ajudados na reconstrução do pós-guerra com o famoso Plano Marshall (de que aliás foram os principais beneficiários). Da quase falência da libra, o que os expôs a um segundo “bail out” dos Estados Unidos a meio do século ou à crise do carvão passando pela relação conflituosa com a Irlanda, nem sempre o Reino Unido foi essa potência no seu máximo esplendor e passou por fases de autentico sufoco.A decisão de saída da União Europeia, o chamado Brexit, é por isso uma consequência de uma cultura introspectiva talvez ajudada pelo facto de não fazerem fronteira com nenhum outro país e não terem que lidar por consequência com decisões conjuntas ou até sinónimo de uma certa arrogância. A euforia da saída foi sempre muito assente no que deixariam de comparticipar e pouco pensada na óptica das consequências de deixarem de pertencer a um mercado comum e à livre circulação de trabalhadores. Se a pandemia veio camuflar os efeitos dessa mudança brutal na forma do Reino Unido se relacionar com a Europa e se o próprio egoísmo em relação às vacinas os levou a conseguir atingir valores consideráveis sem terem que pensar nos países que compõem a União agora começam lentamente a acordar para a realidade. E essa realidade mostra-nos uma nação pouco preparada para as evidentes consequências que se começam a fazer sentir de forma contundente.Nivelar a imigração por cima dificultando o visto para pessoas que não apresentem um contrato de trabalho superior a 25.000 libras anuais podia aparentemente ser uma boa estratégia, não fossem os serviços básicos depender de pessoas que ganham salários muitas vezes abaixo desse valor. Caixas de supermercado, empregadas de limpeza, motoristas, no fundo a mão de obra barata. Ora sem essas tarefas antigamente asseguradas por estrangeiros quem as assegura agora? Ainda para mais depois de uma pandemia que exigiu imensos cortes nos funcionários que graças ao Brexit tiveram que voltar aos seus países como se recompõe agora o tecido industrial e produtivo? Não admira por isso que comecem a faltar stocks de comida e bebida em grandes cadeias de restauração onde seria impensável isso acontecer. Supermercados com prateleiras vazias, pessoas desesperadas a armazenar mantimentos, inclusivamente alguns já a comprar e a congelar perus para o Natal.Se os trabalhadores agrícolas e os funcionários da área alimentar escasseiam a falta de motoristas assume contornos dramáticos o que põe em causa o abastecimento de produtos em toda a região. Começa a faltar combustível e todo o tipo de produtos habitualmente importados. O comércio do Reino Unido com a União Europeia (UE) caiu significativamente, penalizando a economia britânica. Grandes empresas deslocam as suas sedes para países da UE para continuarem a usufruir de um mercado livre e comum. As muitas restrições implementadas asfixiam a região e Boris Johnson tenta agora emendar a mão aligeirando as regras para atrair alguma da mão de obra necessária para que o Natal não seja um desastre. O que trará este retrocesso da sua principal bandeira ideológica (o Brexit) ninguém sabe. Mas que as pessoas começam a sofrer na pele os efeitos colaterais dessa saída disso já ninguém duvida.