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Eleições Autárquicas

Passou o tempo dos Pombais, dos Duarte Pachecos, dos Fernão Ornelas

Houve tempos em que acreditei que um político esclarecido, bem aconselhado e bem aparelhado de sólidas ideias, seria capaz de afeiçoar a sua cidade a essas ideias traçando-lhe um destino maior. Acreditei, de facto, no papel determinante que uma tal figura poderia desempenhar na organização espacial do território, isto é, em prol da harmonização da paisagem urbana e rural que habitamos. A verdade, porém, é que numa economia global essa organização depende de inúmeros factores exógenos, de contingências que estão muito para além da vontade de quem gere essa parcela ínfima do mundo a que chamamos autarquia. Confrontado com o súbito desaparecimento do turismo, com as crises do mercado bolsista ou com a gestão de rotas das companhias aéreas, que pode um autarca fazer? Muito pouco...

Para além do mais, a forma das cidades, sobretudo a daquelas que mais admiramos e desejamos conhecer, sempre parece ter sido o resultado extraordinário de um acaso, do confronto, por vezes violento e sem desfecho certo, entre muitos e desencontrados interesses: a vontade de um tirano e a dos seus habitantes; a fé do povo e o comércio do burgo; a ocupação militar de um território e o assédio dos gentios subjugados; o centro poderoso e rico e as periferias da exclusão.

Creio, pois, que em democracia cabe ao poder autárquico um papel menor, mas ainda assim imprescindível: gerir, com habilidade e a contento do bem estar da maioria, o confronto desses muitos interesses. São sobretudo de evitar as grandes ou pequenas “ideias” reformadoras, basta socorrer-se dos instrumentos de planeamento a que a legislação democrática vai dando força de lei, isto é, toda a hierarquia de planos que determinam a organização espacial do território. Da eficácia da sua aplicação depende o bem estar da comunidade e do próprio funcionamento da cidade e do território que a autarquia gere.

Significa isto, portanto, que o tempo das grandes “ideias de cidade”, das grandes operações de melhoramento e reorganização urbana, das grandes obras, tão caras aos politiqueiros com ambições de obra feita, são hoje, no nosso contexto, águas passadas: passou o tempo dos Pombais, dos Duarte Pachecos, dos Fernão Ornelas. Nenhum de nós, suponho, deseja o regresso do poder autocrático que nos deixou belos trechos urbanos, é certo, mas a que preço! Vivemos em democracia e se a democracia nos deu sobretudo obra imperfeita não devemos perder a fé. Associados – seja em que tipo de organização for – podemos sempre defender os projectos em que acreditamos. Os indolentes – a quem cabe, também, um papel de relevo, quanto mais não seja porque constituem a maioria – podem sempre votar e ir culpando os politiqueiros, os arquitectos e os empreiteiros.