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O decréscimo da participação política

1. Em democracia, “o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”, – tal como afirmou um dia o grande estadista Winston Churchill –, depois de exercido mais uma vez o direito de voto ou participação eleitoral (uma das formas de participação política convencional), há sempre vencedores e vencidos, embora estes últimos excecionalmente o admitam.

Após um dia (e noite) em que a pandemia da Covid-19 ficou como que ‘em suspenso’, não é preciso perder muito tempo a pensar (e registar) que a maioria dos portugueses continuam a preferir não votar, em não manifestar opinião, em não participar (60,5% dos eleitores não foram sequer às urnas, número nunca antes atingido numa eleição presidencial, mas ainda assim abaixo do último ato eleitoral para o Parlamento Europeu [69,3%]), e uma minoria representativa preferiu – e votou – naquilo que lhe dá ‘segurança e proximidade’ (num candidato que nos conforta e dá afetos), que garante continuidade e estabilidade, que zela pela união, ou seja, escolheu um proponente que disse querer ser o Presidente de todos e de cada um dos portugueses e não “de uns, os bons, contra os outros, os maus”. Registe-se que o agora reeleito Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com 60,7% dos votos, venceu em todos os concelhos do país e só não ganhou em 9 das 3.092 freguesias existentes. No entanto, há outro vitorioso nas Presidenciais de 2021 (talvez seja mesmo o “maior” vencedor), que não se apresentou como candidato, que não insultou, “meteu medo”, se vitimizou ou proferiu impropérios contra qualquer adversário – mas que já ameaçou demitir-se caso um determinado diploma fosse aprovado –, refiro-mo, claro está, ao cidadão, líder partidário e largo estratega (afeito a todos os tipos de pressão e a lidar com ‘impossibilidades’) que anunciou e lançou Marcelo Rebelo de Sousa na corrida para um segundo mandato em Belém, estávamos ainda no dia 13 de maio de 2020 (para os crentes, uma data influente), no momento da realização de uma visita à fábrica da Autoeuropa, em Palmela. O nome é sobejamente conhecido, António Luís Santos da Costa, atual Primeiro-ministro, que precisa agora de cumprir a promessa de voltar àquela unidade fabril e ali efetuar uma terceira visita, em conjunto com o Presidente reeleito, para partilhar “uma refeição com todo os colaboradores”.

2. É um facto que sem eleições livres não há democracia – e os custos da realização dos atos eleitorais são realmente elevados –, mas também é verdade que os votos dão apenas uma informação bastante genérica sobre a preferência do eleitorado numa dada circunstância, isto é, mostram quem quer que governe, presida ou seja deputado. Que “o voto do povo é soberano” é também uma máxima mil vezes repetida, mas este não aprova, por completo, os programas do Governo nem diz quais são as políticas públicas ‘preferidas’ pelo eleitorado, sendo que muitas delas até estão ausentes dos programas eleitorais sufragados e/ou são ignoradas pela maioria dos cidadãos, e depois das eleições todas as leituras são viáveis, sobretudo se estiverem de acordo com o interesse próprio dos candidatos ou partidos.

Recentemente, um conhecido agente político regional colocou, publicamente, a indispensável questão: “já ninguém liga à política?”. Por outras palavras, o sistema político nacional, o modelo democrático português instalado com a Constituição de 1976 responde às necessidades e problemas dos cidadãos do século XXI? Em suma, os portugueses ainda confiam nas instituições democráticas e na classe política?

Ora, se nos alicerçarmos nos números da participação eleitoral dos últimos anos, nos comportamentos visíveis, mas também na chamada participação política invisível ou latente, então, percebemos que há um claro e crescendo divórcio (afastamento) entre os portugueses e a atividade política. Infelizmente, muitos dos constrangimentos, problemas e aspirações do presente não encontram já respostas/soluções na decisão política. Vivemos num novo, diferente e singular tempo, e o sistema democrático vigente não se adaptou e reinventou ainda de modo a dar desenlaces satisfatórios às necessidades atuais – e mesmo futuras – dos cidadãos. Os portugueses, sobretudo os mais jovens, encaram Portugal como um país adiado, um país que oscila sistematicamente entre um clima de ilusão e desilusão! Dito de outro modo, um país refém de interesses instalados, um paraíso para a grande (e pequena) corrupção onde a justiça tarda, funciona mal e é de difícil acesso; um país onde se lida mal com a competência e o mérito, no qual se fazem leis à pressa e ad hominem e onde as crises financeiras, económicas e sociais somam umas atrás das outras, resultantes de executivos fracos que se confrontam sistematicamente com problemas de governabilidade e que ignoram ou adiam decisões importantes e reformas estruturantes.

Obviamente, perante este adverso cenário, quer as formas de participação política convencional (que podem ir desde a condição de simpatizante, militância e/ou colaborador num partido político, a formação de movimentos cívicos ou de associações), quer as não convencionais (desde as ilegítimas/ilegais, passando pelas inovadoras e legais, como são a criação de blogues políticos, a elaboração de petições ou participação em manifestações), são claros testemunhos de um esgotamento e declínio do modelo atual. A perda de confiança na atividade política é hoje bem superior àquela que existia no virar do milénio e século, e os níveis de satisfação para com o atual modelo democrático diminuem a cada dia que passa, o que já originou as condições requeridas para o aparecimento de novas formas de populismo e emergentes partidos com propostas de rutura constitucional. Segundo a Professora Conceição Pequito Teixeira, são hoje “pouquíssimos os portugueses que dizem confiar nas instituições e na classe política”, ou seja, o seu grau de interesse, os conhecimentos, a perceção e a consciência que têm da influência que a política possui sobre as suas vidas é, infelizmente, cada vez menor. É claro que há fatores que podem fazer variar (e inverter) a atual participação política dos cidadãos, mas para isso precisamos de algo que é essencial para combater esta progressiva erosão que os distanciou e fez com que olhassem com desconfiança e desapego – senão mesmo hostilidade –, para a política e suas instituições: falo da vontade política. Em suma, necessitamos de uma avultada vontade política para intervir num sistema que está refém de elites oligárquicas, que impede ou afasta os cidadãos da vida política (democrática) e de aceder a cargos nas principais instituições, que não permite que o país se desenvolva, cresça económica e socialmente e que prossiga num rumo de convergência com o projeto da União Europeia.

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