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Portugal chegou ao topo mundial da vacinação mas sem vencer o vírus

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A vacinação contra a covid-19 iniciou-se há um ano em Portugal, mas as expectativas de vencer o coronvírus com a imunização da população foram-se esbatendo, devido a novas variantes que obrigaram a vacinar mais os portugueses.

Em 27 de dezembro de 2020, o médico António Sarmento recebeu a primeira vacina contra a covid-19, marcando, simbolicamente, o arranque de um plano desenhado para três fases, que representou um investimento de cerca de 200 milhões de euros para a aquisição de mais de 22 milhões de doses, e que deu prioridade aos mais idosos e profissionais de saúde.

Além da falta de vacinas, um constrangimento que se verificou em toda a União Europeia, o plano ficou ferido na sua credibilidade logo nas primeiras semanas, devido às dezenas de situações de vacinação de pessoas não prioritárias, que originaram a abertura de diversos inquéritos.

Esta fase inicial conturbada conheceu um novo desenvolvimento em 03 de fevereiro, quando o coordenador da `task force´ da vacinação, Francisco Ramos, apresentou a demissão, por irregularidades detetadas por si na seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha, onde é presidente da comissão executiva.

Poucas horas depois de ser anunciada esta demissão, o país ficou a conhecer o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, que já integrava a `task force´, mas que passou a coordenar a complexa logística da vacinação em Portugal.

"Vamos ter de analisar a razão das falhas e tentar evitar que elas se repitam. Há muita coisa para fazer e a lista é sempre grande. Imagine a complexidade de uma tarefa que é vacinar, grosso modo, duas vezes uma população de 10 milhões de habitantes", afirmou na altura o novo coordenador da `task force´.

Já em velocidade de cruzeiro e com um plano mais simplificado, Portugal ultrapassou, no final de março, um milhão de vacinados com a primeira dose, vacinando pouco depois os professores e o pessoal não docente, com a expectativa de que, no final do verão, a vacinação de 70% da população permitisse vencer o coronavírus.

Resolvido o abastecimento de vacinas, com as farmacêuticas a cumprirem as entregas com maior regularidade, o país entrou em maio na fase de "libertar a economia", com a vacinação em massa dos portugueses, que teve de ser acelerada para responder à rápida disseminação da variante Delta.

Com o surgimento desta variante, que passou rapidamente a ser a predominante em todo o país, a meta estimada da cobertura para atingir proteção coletiva foi elevada de 70% para cerca de 85% da população vacinada com pelo menos uma dose.

Nesta fase, o "maior desafio" foi a capacidade de agendamento de milhões de pessoas, o que obrigou a um "enorme e permanente esforço de atualização dos seus processos, bem como ao desenvolvimento de novas soluções `web´ e centralizadas", com as inerentes "dores de parto" de um processo que estava a decorrer em tempo real, salientou um documento de resumo da estratégia da `task force´.

Em 09 de julho, em plena campanha de vacinação em massa dos portugueses em cerca de 300 centros espalhados por Portugal continental, foi atingido o recorde de vacinas administradas num só dia, com 160.536 inoculações, cerca de 1,6 da população.

No mês seguinte, o país atingiu os 70% da população com a vacinação completa e iniciou-se o debate sobre a possibilidade de administrar uma terceira dose para reforçar a imunidade contra o SARS-CoV-2, o que se concretizou em outubro, começando pelos mais idosos e utentes de lares.

Também em outubro, mês em que arrancou a vacinação simultânea da covid-19 e da gripe, Portugal atingiu a meta de 85% da população com a vacinação completa.

"Hoje é um dia feliz. Hoje atingimos, de facto, a nossa meta de vacinar contra a covid-19, com a vacinação completa, 85% da nossa população", disse à Lusa a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas em 09 de outubro, ressalvando que esse objetivo foi conseguido "dando uma oportunidade a todos, sem distinção de ninguém, de se poderem vacinar".

Dias antes, em 28 de setembro, a `task force' responsável pelo plano de vacinação contra a covid-19 terminava a sua missão de planificação e gestão logística, com Gouveia e Melo a garantir que voltaria ao "anonimato das funções militares".

Mas o fim da missão da `task force´ não significou o fim da vacinação, que continuou com a dose de reforço e com a imunização dos jovens dos 12 aos 17 anos, numa altura em que o país começava a entrar numa nova vaga de infeções, com a maioria dos surtos localizados em ambiente escolar e universitário.

O final do ano trouxe uma nova ameaça, a variante Ómicron, já considerada mais transmissível do que a Delta e que tem crescido exponencialmente em Portugal, representando já quase 47% das infeções registadas na semana passada.

Em 07 de dezembro, a DGS recomendou a vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos, que começaram a ser vacinadas nos dias 18 e 19, mas este processo pode estar longe de terminar, devido à possibilidade de uma quarta dose para responder à Ómicron.

"Está a decorrer um processo de compra conjunta de uma vacina já adaptada à [variante do vírus] Ómicron, que estará disponível após a primavera, e já apresentámos o pedido de aquisição", disse o primeiro-ministro, António Costa, recentemente em Bruxelas.

Atualmente, quase 8,7 milhões de pessoas já têm a vacinação completa, mais de 2,3 milhões já tomaram a dose de reforço e cerca de 95 mil crianças foram vacinadas com a primeira dose da versão pediátrica da vacina da Pfizer.

Com este processo, Portugal entrou para o topo da lista mundial de países com maior cobertura da população vacinada, mas esse feito não foi suficiente para que, um ano depois de ter sido administrada a primeira dose, tenha conseguido vencer a pandemia.

Um ano de vacinação na Europa não afastou receios nem polémicas

A Europa iniciou a vacinação anti-covid-19 em 27 de dezembro de 2020 com a esperança de atingir uma normalidade pós-pandémica, porém, um ano depois, ainda persistem alguns receios e um intenso debate sobre direitos, liberdades e, ultimamente, sobre obrigatoriedade.

Doze meses depois, a campanha de vacinação dentro do espaço da União Europeia (UE) terá salvado a vida de milhares de pessoas, permitiu ter um verão sem confinamentos nem restrições apertadas e deu um novo vigor às economias.

Mas, nestes 365 dias, também houve vários contratempos e desafios, alguns dos quais se mantêm: o medo dos efeitos secundários, os problemas de falta de produção e de distribuição, a descoberta de novas estirpes mais contagiosas, a renovação das restrições, as divisões entre pessoas pró-vacinas e anti-vacinas e a necessidade de doses de reforço face ao surgimento de novas variantes do coronavírus que provoca a doença covid-19.

Nos últimos meses, a campanha de vacinação anti-covid 19 na Europa teve de enfrentar outros dois "pontos quentes" de discussão: a obrigatoriedade e a imunização das faixas etárias mais novas.

Na reta final de 2021, e face aos sobressaltos do surgimento de novas variantes do coronavírus (a mais recente designada como Ómicron), ao regresso de novos períodos de confinamento e de restrições mais apertadas e à resistência de certas populações à vacinação, a obrigatoriedade da vacina tornou-se uma questão e a ONU defendeu, em 19 de novembro, que essa imposição só podia ser adotada perante "motivos legítimos de saúde" e sob certos requisitos.

No início de dezembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, admitia a necessidade de um debate sobre a vacinação obrigatória dentro da UE.

Vários meses antes, em março, a mesma Comissão Europeia admitia que os cidadãos dos 27 Estados-membros do bloco estariam todos vacinados até ao final do verão.

A Áustria antecipou-se e tornou-se o primeiro país na Europa a anunciar (em novembro) que ia decretar a obrigatoriedade da vacina para a covid-19 a partir de fevereiro de 2022, apesar dos protestos de milhares de pessoas.

Na Grécia, a vacina já é obrigatória para pessoas com mais de 60 anos, enquanto na Alemanha o novo Governo liderado pelo social-democrata Olaf Scholz conseguiu aprovar, a 10 de dezembro, uma lei que obriga os profissionais de saúde a vacinarem-se contra a covid-19, à semelhança do que acontece em outros países do espaço comunitário como França ou Itália.

Este poderá ter sido o primeiro passo antes do alargamento da vacinação obrigatória à restante população alemã, espectável para o início de 2022.

O Ministério da Saúde do Luxemburgo também já admitiu que está a estudar a possibilidade de obrigar a vacinar toda a população.

A obrigatoriedade da vacinação, ou a sua possibilidade, já levou milhares de pessoas a manifestarem-se nas ruas em protestos às vezes violentos, como em Itália, onde multidões criticaram também a entrada em vigor da obrigação de apresentar o certificado digital de vacinação para aceder aos locais de trabalho.

Em vários países europeus, incluindo em Portugal, o certificado digital covid-19 é utilizado para entrar em determinados locais, como restaurantes, salas de espetáculos ou locais de diversão noturna.

Aprovada em 21 de dezembro pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pela Comissão Europeia, a vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech -- a primeira a ter "luz verde" na Europa - começou a ser distribuída ao mesmo tempo pelos Estados-membros da UE a partir do dia 27 de dezembro de 2020, embora nem todos tenham começado a administrá-la no mesmo dia.

O novo ano foi então olhado com muito otimismo, à medida que as campanhas de vacinação avançavam, mas, poucos dias depois de 2021 ter começado, vários países europeus decidiram prolongar os confinamentos: a Europa atingia na altura os 30 milhões de infetados e a distribuição de vacinas começou a sofrer problemas e a atrasar-se.

A entrada no mês de fevereiro deu como garantida a existência de uma terceira vaga de covid-19, com a Espanha e a Itália a disputarem os números mais alarmantes.

No mês seguinte, surgem preocupações com os efeitos secundários das vacinas.

A Áustria anunciou a suspensão da utilização da vacina da AstraZeneca quando foi conhecida a morte de uma enfermeira, com sérios problemas de coagulação, após ter recebido o fármaco e, em poucos dias, a decisão foi imitada por dezenas de países.

Por outro lado, as viagens de e para os países onde novas variantes eram detetadas passaram a ser proibidas e os incentivos à vacinação foram reforçados.

A discussão da altura passou a ser a adoção de certificados de vacinação com o intuito de facilitar as viagens de pessoas imunizadas contra a covid-19.

Os maiores defensores deste "passaporte de vacinação" foram os países onde o turismo tem maior peso, como Grécia, Espanha e Portugal, mas foram os países nórdicos, como a Islândia, a Suécia e a Dinamarca, que primeiro anunciaram a criação destes documentos também para ter acesso a eventos desportivos ou culturais.

Já a França e a Alemanha mostraram-se muito reticentes, porque grande parte das suas populações não estava vacinada.

O certificado digital da UE, comprovativo da vacinação ou recuperação da infeção pelo vírus SARS-CoV-2, entrou em vigor na União no início de julho.

Os movimentos anti-vacinas já constituíam uma preocupação para as autoridades sanitárias, mas foi nesta altura que as manifestações - em protesto contra os certificados de vacinação, vistos como forma de discriminar pessoas - se tornaram violentas.

Antes do verão, o dossiê das vacinas já tinha enfrentado outro problema: a necessidade de aumentar a produção para alcançar a vacinação global.

Esta situação levou a Comissão Europeia a afirmar em maio que estava disponível para "avaliar" a suspensão de patentes das vacinas contra a Covid-19, uma proposta dos Estados Unidos que não foi bem-sucedida.

Em novembro passado, a EMA aprovou a extensão do uso da vacina pediátrica da Pfizer/BioNTech (Comirnaty) para crianças com idades entre os cinco e os 11 anos, considerando essa opção segura e eficaz.

Outro assunto que desencadeou um intenso esgrimir de argumentos entre os mais diversos setores da sociedade europeia.

Vários países da UE, como Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Hungria, arrancaram já em meados de dezembro com a campanha de vacinação das crianças desta faixa etária.

Outros, como foi o caso da França, começaram a vacinar apenas as crianças que apresentavam comorbidades, mas depois decidiram generalizar o processo de vacinação voluntária a todas.

A poucos dias do final de um "ano de vacinas", a doença covid-19 soma mais de 5,36 milhões de mortes em todo o mundo e cerca de 275 milhões de infetados.

No passado dia 20 de dezembro, a EMA aprovou a comercialização de emergência da vacina contra a covid-19 da Novavax, para utilização em adultos.

Esta é a quinta vacina com autorização de emergência na UE, juntando-se às da Pfizer/BioNTech, da Moderna, da Janssen e da AstraZeneca, que fazem parte do plano de vacinação português que também arrancou a 27 de dezembro de 2020.

Dados comunitários divulgados este mês apontam que mais de 82% da população adulta do bloco recebeu pelo menos uma dose da vacina anti-covid-19 e mais de 13% já recebeu uma dose de reforço.