Crónicas

O bom, o mau e os campinos

No país enamorado pelos direitos, liberdades e garantias, há instituições públicas dedicadas à manutenção do romance nacional. Uma delas é a Comissão Nacional de Eleições. Entre as muitas fantasias que a campanha eleitoral permite, a bizarria dos debates eleitorais é um dos seus pontos máximos. Nas legislativas de Janeiro, a Comissão decidiu que ter-se-iam de realizar 36 debates televisivos, em 14 dias consecutivos, com frente-a-frente obrigatório entre 9 partidos. A maratona partidária promete momentos inesquecíveis como o embate entre o socialismo verde do Livre e o neo-comunismo do Bloco ou o confronto entre o comunismo vermelho do PCP e o socialismo vegan do PAN. O que não está garantido é o esclarecimento dos eleitores, mas nisso a Comissão parece pouco interessada.

O bom: Aumento do luto parental

Em quantos dias cabe o luto de uma vida? Em Portugal, até há bem pouco tempo, a perda de um filho resolvia-se em cinco dias. Os pais que estiveram anos a acompanhar um filho doente, a tentar racionalizar a subversão da ordem natural da vida, eram atirados, ao fim de uma mão cheia de dias, mas vazia de tempo, para uma normalidade que a lei prevê, mas que, na verdade, não existe. Cinco dias preenchem-se com a burocracia, com o inadiável, mas tudo o resto fica por reconstruir. A desumanidade que era imposta aos pais que estavam numa situação impossível torna a petição pública para aumentar o luto parental para 20 dias uma justiça elementar. Foi assim que 52 mil assinaturas levaram a Assembleia da República a alterar uma lei injusta e a garantir um tempo mínimo aos pais para começar a preencher o enorme vazio que fica. Não será, certamente, tempo suficiente. Talvez nenhum tempo seja. Mas todo este processo demonstra a importância da nossa participação cívica e deve relembrar-nos da força que a sociedade civil tem. Basta querer.

O mau: A perda de população

A terminar o ano, ficámos a saber que a Madeira foi a segunda região do país que mais população perdeu na última década. O inverno demográfico não é novidade, nem sequer exclusivo da Região. No entanto, a suposta normalidade deveria aguçar a preocupação. Especialmente se tivermos em conta que a Madeira, em 2020, registou a maior queda de nascimentos do país. A colheita estatística do final de ano revela que, para além de sermos cada vez menos, somos cada vez mais velhos. Há 10 anos, a cada 100 jovens contávamos 91 idosos. Hoje, na Madeira, há 157 idosos por cada 100 jovens. A frieza dos números assusta e o resto do país não escapa da mesma realidade. Nos últimos 50 anos, os pensionistas e reformados passaram de 120 mil para quase 4 milhões. Portugal mudou e a pirâmide geracional inverteu-se. A fuga ao destino que a estatística nos traçou, exige uma intervenção a montante – na natalidade. E antes de ceder à tentação de despejar mais dinheiro em cima do problema, é importante medir o efeito das medidas públicas que estão já em vigor. Não duvido da sua bondade, pelo que sei algumas das medidas até são únicas em Portugal, mas o abismo demográfico de que nos abeiramos obriga-nos a uma reflexão profunda. Por isso, o mais surpreendente nos números dos Censos na Região foi a apatia com que os mesmos foram recebidos. Principalmente, quando inverter o ritmo galopante de envelhecimento da população é o grande desafio que a Madeira terá nos próximos 30 anos.

Os campinos: Candidatos do PS à República

Exultem de alegria, caros eleitores da Figueira da Foz! O Partido Socialista da Madeira, cumprindo com a tradição histórica de agradar ao Largo do Rato, escolheu a sua lista de candidatos à Assembleia da República. Para além da curiosa composição, a lista socialista é fértil em excentricidades. Foi proposta em Dezembro, por um presidente que se demitiu em Setembro e promete ficar até Março. Para número dois, recuperaram o chefe parlamentar, também ele, demissionário. Por fim, para transformar a demissão em promoção, ignoraram o candidato indicado pela juventude partidária. Originalidades à parte, a lista de candidatos socialistas, e a escolha de Miguel Iglésias, parece arrancada das páginas da história do PS na Madeira. Em 1976, nas primeiras eleições legislativas, Mário Soares decidiu colocar figuras nacionais como candidatos em determinados círculos. Supostamente, a sua notoriedade e os cargos que ocupavam ajudariam ao resultado eleitoral. Na Madeira, a imposição do Largo do Rato chamou-se Jorge Campinos. Ministro do Comércio Externo do governo provisório, Campinos era um verdadeiro desconhecido dos madeirenses e não tinha qualquer ligação à Região. O PS trocou um madeirense por um ministro. Perante o tamanho do sapo, os socialistas madeirenses justificaram a difícil deglutição com a grande influência que o candidato teria junto do PS nacional e a sua capacidade para resolver os problemas da Madeira. A história provaria que estavam errados. Apesar do resultado eleitoral desastroso do PS, Campinos foi eleito, integrou o governo de Soares (sem qualquer pasta) e não consta que tenha resolvido qualquer problema aos madeirenses. 45 anos depois, nas hostes socialistas da Madeira, a história repete-se. Trocou-se um deputado madeirense por uma promessa de influência em Lisboa. No final, Iglésias será eleito, o Largo do Rato satisfeito e, como Campinos, tudo ficará por resolver. Resta saber se, na Madeira, o resultado do PS será igual a 1976.