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O discurso sobre o estado da União e o futuro da Europa

Porque o tempo é essência. O tempo da Europa não está ainda ultrapassado

No seu discurso sobre o estado da União, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a líder do executivo comunitário assinalou a liderança da UE na produção, distribuição, administração e exportação de vacinas contra o novo corona vírus. A resposta da Europa à maior crise sanitária do último século, foi um sucesso, argumentou Ursula Von Der Leyen. “Temos razões para estarmos confiantes, mas não complacentes,” diz. Por isso pediu o apoio dos europeus para um novo investimento de 50 mil milhões de euros para a criação de uma nova missão de preparação e resiliência sanitária, para “garantir que nunca mais um vírus possa transformar uma epidemia local numa pandemia global”. Além dos novos vírus e doenças. Von Der Leyen quer que a Europa seja capaz de se defender das ameaças convencionais, mas também das hibridas e da cibersegurança, que colocam em risco fronteiras e infra-estruturas e instalações industriais e as democracias: “Para instabilizar uma eleição basta ter um smartfhone e uma ligação à internet”, assinalou. A crise no Afeganistão, reavivou o debate sobre a constituição de uma força militar de intervenção rápida da UE – que a Presidente da Comissão acredita “ser parte da solução”. Mas antes de discutir a mobilização de tropas, Von Der Leyen diz que é preciso consenso sobre a sua utilização. “Precisamos de desenvolver a nossa vontade política”, afirmou. Como observou, a UE já desenvolveu um “ecossistema de defesa europeia”. Nesta altura, “o que precisamos de construir é uma união de defesa”. A Presidente da Comissão escolheu neste discurso dois temas actuais, que no geral, não seriam demasiado polémicos – uma UE da Saúde, que permita à Europa estar preparada para novos eventos pandémicos; uma UE de Defesa, que voltou a subir nas prioridades da agenda com os acontecimentos recentes no Afeganistão. Com uma vantagem adicional: a defesa será um dos temas fortes da presidência francesa, cuja agenda Emmanuel Macron quer transformar num palco da sua própria corrida presidencial de 2022. Precisa de um bom entendimento com Von Der Leyen para conseguir este objectivo. Regressando ao princípio: um bom diagnóstico das fraquezas europeias. Teve propostas concretas para quase todos os gostos. E, quando assim é, os dados estão lançados. No entanto, por mais original que seja a UE não se pode abstrair do resto do mundo. Ela está ao serviço da Paz e do desenvolvimento para os povos que a integram, mas constitui também uma mediação ao serviço da Paz e do desenvolvimento de todos os povos da terra. Agrupando diversos povos, entre os quais alguns que tiveram um papel dominante na colonização, a UE herda assim, de certo modo, uma responsabilidade em relação a todos os povos que se emanciparam da tutela dos seus colonizadores. As diversas políticas de parceria com os outros blocos regionais são, nesta perspectiva, especialmente importantes. Para além disso, a UE inclui dois Estados detentores da bomba atómica. Isto confere-lhe também uma responsabilidade especial no seio da Comunidade Internacional e da ONU. Por todas estas razões dizer Europa quer dizer “abertura”. Apesar da experiência e sinais contrários que também não faltam, é a sua própria história que o exige. A Europa não é verdadeiramente um território fechado ou isolado; ela construiu-se atravessando os mares, ao encontro de outros povos, de outras culturas e de outras civilizações. Por isso, a Europa deve ser um Continente aberto e acolhedor que continua a praticar, no contexto actual da globalização, formas de cooperação não apenas económica, mas também social e cultural.

Neste contexto, para que o seu rosto seja verdadeiramente novo, o continente deve corresponder de forma positiva a essa exigência: a Europa não pode fechar-se sobre si mesma. Não pode nem deve desinteressar-se do resto do mundo; pelo contrário, deve ter plena consciência de que outros países, outros continentes, esperam dela iniciativas audaciosas, capazes de oferecer aos povos mais pobres os meios para o seu desenvolvimento e a sua organização social e para dignificar um mundo mais justo e mais fraterno. Para edificar adequadamente esta noção, é necessário repensar a cooperação internacional em termos de uma nova cultura de solidariedade. Considerada como semente da paz, a cooperação não pode reduzir-se apenas há ajuda e à assistência sobretudo quando se pensa, em contrapartida, lucrar com os recursos postos à disposição. Pelo contrário, deve traduzir-se num compromisso concreto e palpável de solidariedade, que vise fazer dos pobres os protagonistas do seu desenvolvimento e permita ao maior número possível de pessoas exercer, nas circunstâncias económicas e políticas concretas em que vivem, a criatividade própria da pessoa humana, de que depende também a riqueza das nações.

Von Der Leyen fez neste discurso do Estado da União um bom diagnóstico das fraquezas e potencialidades europeias e testemunhou que é possível superar a crise tomando medidas que passam, em primeiro lugar, por redefinir as políticas comunitárias não só no domínio estritamente económico, mas na base dos valores éticos, recuperando as raízes da identidade europeia e privilegiando linhas de orientação que incentivam a família, a autoridade, a ordem, a responsabilidade e o federalismo. Muito mais do que um simples apelo ao proteccionismo conservador, as medidas preconizadas neste discurso visam criar uma coesão interna da Europa capaz de a defender face às tempestades da globalização, permitindo o renascer da esperança para os seus cidadãos.

Porque o tempo é essência. O tempo da Europa não está ainda ultrapassado.