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Na sociedade do engano

Também este país à beira mar plantado, a caminho e com toda a experiência acumulada de perto de nove séculos de existência, se deixou enfeitiçar pelo “canto das sereias”, adotando um modelo de padronização da existência humana, onde no domínio económico, por exemplo, revela uma gigantesca irresponsabilidade, pois o sistema sobrevive e progride à custa da degradação acelerada do planeta. Mas a responsabilidade maior nem será tanto do modelo económico, mas antes a falta de consciência por parte dos políticos decisores, pois nunca criaram mecanismos eficientes e fortes de monitorização, que evitassem o descalabro em que os recursos naturais do planeta se encontram. Eufemisticamente criam-se entidades reguladoras, mas são de papel, pois a sua eficácia é (será) propositadamente (?) perto de nula, quando no mínimo, deveriam acautelar que qualquer organismo candidato a prevaricador não tivesse sequer essa tentação. Mas como os partidos do sistema tomaram conta do tentacular sistema público, alternando-se à vez e assim eternizando-se no poder, dificilmente se farão alterações significativas que permitam sair deste círculo vicioso. Mas há mais, se já havíamos tido os “Panamá Papers”, seria de pensar que nada ficaria como dantes depois desse escândalo internacional. Pois bem, tudo ficou na mesma ou até talvez pior, quem sabe? É que soubemos muito recentemente e novamente através do Consórcio Internacional de Jornalistas, de um novo escândalo ao estilo e formato do primeiro, que dá pelo nome de “Pandora Papers”. São fortunas escondidas em off-shores (paraísos fiscais), e mais uma vez a perceção pública é de que será um mecanismo de fuga aos impostos e/ou qualquer outra razão pouco clara. Ora se nada muda e os escândalos se repetem nas mesmas matérias, é lícito especular que tal ocorre porque muitos dos beneficiários, são aqueles que poderiam alterar a lei para evitar tais situações. Depois temos a justiça ou será a injustiça? Soubemos também há pouco tempo, que um ex-banqueiro de fortunas se “ausentou” do país, quando já tinha sido condenado num processo que transitou em julgado, isto é, não passível de mais recursos, e que, entretanto, relata no seu blog pessoal que tomou a “difícil decisão” (?) de não voltar a Portugal. Outro ex-banqueiro, também a contas com a justiça, alega perante o tribunal a impossibilidade de estar presente em julgamento, atendendo à sua idade e às regras impostas pela pandemia do COVID19. Soube-se, entretanto, que o senhor passava férias na Sardenha. Tudo isto pode ser legal, mas eticamente é altamente reprovável e se o é, a lei tem de ser revista. Pouco importa se é “a quente ou a frio” que se alteram as leis, quando a necessidade da sua revisão é sobejamente evidente. E quanto ao argumento utilizado pela classe política, de que “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”, até se pode aceitar no comentário, já na substância não. Mas a chamada Banca, tem outros particulares de difícil compreensão, nomeadamente o protecionismo estatal de que beneficia, quando literalmente “brinca” com os seus clientes. Como é que é possível numa atividade em que a matéria prima é fornecida pelo cliente, isto é, o dinheiro, aquele ainda tenha de pagar por o colocar à disposição da instituição bancária, como sejam os chamados custos de manutenção de conta e comissões disto e daquilo? Pior, quando a instituição usa as quantias dos seus clientes para empréstimos, onde cobra taxas muito superiores às que oferece aos seus clientes? Temos também as ordens profissionais, onde as mais visíveis, na interpretação imediata dos cidadãos, são autênticas organizações corporativas. No caso da ordem dos médicos, a perceção pública generalizada, para além da quase impossibilidade de atribuir responsabilidades a um médico por negligência ou má prática, é a que persiste uma posição claramente protecionista da classe, em lugar de proteção do cidadão. Está ainda na memória dos portugueses a oposição desta ordem à criação de mais faculdades de medicina, para além da posição “hesitante” em relação à intenção do governo para que se contratassem médicos estrangeiros. Já em relação à ordem dos advogados, soubemos recentemente que quer afunilar o acesso à profissão, exigindo o nível escolar de mestrado, se o estágio for reduzido de 18 para 12 meses, conforme é intenção do governo, a novos pretendentes ao exercício da advocacia. Ora mais uma vez, o cidadão vê nesta posição um corporativismo protecionista de quem já está na profissão. A comunicação social deu já eco de que as ordens mais “famosas”, se manifestaram contra a proposta de alterações à lei, que o governo vai apresentar, que pretende reduzir o raio de ação das ordens profissionais em Portugal. Esclareça-se que esta intenção e necessidade, não tem nada de novo, pois a nossa última conhecida e de má memória trioka, já tinha identificado o problema, embora tenha ficado no papel. E eis que chegamos aos grandes grupos económicos onde a hipocrisia é um ato de excelência teatral. É que durante e depois de terem uma atividade altamente lucrativa, muitas vezes à custa da exploração ilimitada de recursos, sejam naturais, sejam de pessoas, fazem doações aqui e acolá, num exercício de travestismo, colocando-os como benfeitores junto de governos e organismos internacionais. Haverá exceções, é certo, mas infelizmente, contam-se pelos dedos. Se conclusões há a retirar de toda esta narrativa, o título desta crónica poderá ajudar.