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Os Filhos do Homem

“O ano é 2027, e a pessoa mais jovem do mundo, com 18 anos de idade, é esfaqueada até à morte. A infertilidade mundial, de causas até hoje desconhecidas, levou a um profundo estado de inquietação social, violência, caos e colapso da sociedade (…)”.

Mas calma, não se assuste já! Não é nenhuma previsão da Romilda ou do Professor Mamadu. É apenas a sinopse de um filme de ficção científica.

Há cerca de 10 meses, desafiei-me a participar num espaço de debate político cuja temática incidia sobre os desafios 20-30 para a Região.

Falou-se de muita coisa, e, não querendo banalizar nenhum aspeto em particular, muita dessa coisa era previsível. Mas houve uma matéria em especial que me suscitou grande interesse, ao ponto de a ter relançado a debate, e que desconfio ser uma das problemáticas com impactos mais significativos para as próximas décadas – a Natalidade. Neste caso, a falta dela!

No tempo dos nossos pais e avós, como se a tradição assim o exigisse, era quase um pecado não ter filhos. Uma média de 4, 5 ou 6 era o normal, e havia quem chegasse à dezena. (Ou até mais!)

Contudo, o que, para muitos, era antes conhecido como “ato de reprodução”, é agora um “ato de prazer”. E as consequências desta “moda”, que rapidamente se disseminou pela segunda metade do século XX, começam a mostrar sinais da sua evidência...

Faltava pouco mais de duas semanas para o debate político, e quis o “universo” que o meu destino se cruzasse com o de um pequeno livrinho, que encontrei no bar da Universidade.

Esse pequeno livrinho, com o sugestivo nome de “Retrato da Madeira”, edição de 2019, havia sido elaborado pela PORDATA (site de estatísticas público).

Comecei a folheá-lo, sempre em jeito suspeito e curioso, até que cheguei à página 15, canto superior esquerdo, e li: “Nascimentos, por municípios, ao ano”. Surpresa foi a minha quando concluí que de 1960 a 2018, ou seja, num espaço de pouco mais de meio século, só no Município do Funchal, os nascimentos reduziram de cerca de 3500 para cerca de 800, ao ano. Estamos a falar de uma redução de quase 80%!

Bastaria lançar a questão a uma turma de secundário, ou de ensino superior até, para perceber que a maioria dos alunos não quererá ter filhos antes dos 30/35 anos.

Como sabe, estimado leitor, dessa idade para a frente, a fertilidade, tanto feminina como masculina, roça a amargura do incerto. E o grande problema é que esta não é uma realidade exclusiva do povo madeirense. Antes fosse! É algo que neste momento começa a afetar o mundo inteiro.

Porque mais do que uma simples questão económica, estamos perante uma nova questão cultural, uma nova era social. Grande parte dos jovens de hoje quer tempo para construir a sua vida, tanto ao nível pessoal como profissional, bem como outra quota parte quer apenas usufruir dela, longe de qualquer tipo de responsabilidade que envolva educar uma criança.

Mas, antes que interprete este meu raciocínio como um subtil incentivo à “boa arte de fazer bebés”, convido-o a participar nesta próxima reflexão:

Em 2015, o Secretário Regional da Educação referiu numa entrevista que “não se pode manter uma escola aberta se esta não tiver alunos”, e reconheceu que efetivamente poderia vir a haver falta de alunos. De 2015 para agora, e estamos a falar de um curtíssimo período de 5 anos, fecharam-se mesmo escolas! E são as estatísticas, não eu, que preveem o fecho de mais estabelecimentos destes no futuro, principalmente nas zonas mais distantes dos polos centrais da Região. Só para ter noção, em 2019, e julgo que foi no Porto Moniz, nasceu um número de crianças suficiente para formar apenas meia turma!

A questão que lhe coloco é: O que irão ser destas infraestruturas? (Milhões que foram gastos, e que se arriscam agora a cair em desuso…) E para onde irão os professores? Os técnicos e os auxiliares?

O Governo Regional, através das várias Secretarias, tem respondido, e bem, a todas estas questões com algumas das reformas que impôs, desde a alocação de Centros de Dia e Escolas para Adultos, o câmbio por Casas do Povo, Polos de Emprego e Juntas de Freguesia, etc. (Recentemente, a Escola Básica do Seixal cessou todas as suas funções educativas para dar lugar ao Centro de Saúde da freguesia.)

Mas, e no futuro, quando se fecharem ainda mais escolas e não houver mais alunos?

Entre 2001 e 2018, à exceção dos municípios de Santa Cruz e de Câmara de Lobos, todos os Concelhos da Região apresentaram saldos negativos na diferença entre o total de nascimentos e o total de óbitos. Ou seja, morreram mais do que nasceram.

Consegue juntar as restantes peças do puzzle?

Tem-se vindo a falar, ainda sem grandes aprofundamentos científicos, que as crianças das novas gerações começam a nascer sem o dente do siso, e que este “desaparecimento” resulta da sua sucessiva falta de uso. Se a gravidez ocorre com cada vez menos frequência, o que podemos nós esperar no futuro?

Volte a ler a introdução.

(Mas não se assuste!)

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