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Poder podia, mas não era a mesma coisa

O calor está a acabar connosco. A dar cabo da moleirinha e a fazer-nos ter pensamentos ociosos, maus, maléficos, quase negros.

Andamos há tanto tempo de máscara que o nosso discernimento já não é lúcido, já queremos ir trabalhar para o escritório antes do tempo e permitimos que nos enfiem desinfetante com cheiro a aguardente nas mãos onde quer que entremos.

Estamos em pleno Verão e temos de fazer fila para ir à praia, desde quando é que alguém pensou que, vivendo numa ilha, tinha de marcar lugar para pôr o corpo ao sol, no turno da manhã ou da tarde?

Há dias fui à Barreirinha, vi mal o horário e tive de ficar meia hora na esplanada a fazer tempo. Se me tivessem dito isso no ano passado, não sei se ria ou chorava. Não entendo é porque razão as entradas pré-pagas não duram mais três meses, assim uma espécie de moratória, porque afinal eles estiveram fechados. Tenho de gastar vinte entradas a correr antes que esgotem. Mas em vez de ficar sentada de esplanada, podia ter ido ao supermercado entretanto, onde as pessoas se cruzam e acotovelam para chegar ao esparguete, onde nas caixas as funcionárias passam as coisas com medo que sejamos leprosos, mas depois recebem de mão aberta o nosso multibanco sem luvas.

Podia ter ido a um centro comercial, onde os corredores têm fitas de circulação, mas onde as lojas querem é recuperar o tempo perdido e permitem uma multidão lá dentro.

Podia ter ido a outra praia, é verdade, mas gosto daquele lugar calmo no centro da cidade, onde há um pacto de silêncio para que não se diga que aquilo é bom, para ninguém aparecer.

Podia ter levado o fato de banho vestido, mas resolvi ir ao balneário, onde posso mudar de roupa, mas não posso tomar duche, porque a água pode correr para o ralo, levar o vírus consigo e depois é uma maçada para o encontrar no esgoto.

Podia ter perguntado aos nadadores-salvadores por que raio tenho eu de mergulhar num lado e sair da água de outro, dois metros afastado, talvez seja para despistar o corona dentro de água, para ele não ver por onde eu saí e como não sabe agarrar-se ao corrimão, morrer afogado.

E até podia tentar perceber o sentido das coisas se alguém explicasse. Porque é que num avião temos de usar máscara o tempo todo, mas se comprarmos um pacote de batatas fritas e o fizermos render a viagem toda, ninguém nos obriga a tapar o nariz e a boca. Nunca os pacotes de batata frita foram tão apreciados, acreditem.

Gostava que alguém acreditado para tal me explicasse estas medidas que me obrigam a andar o dia todo com uma burka e quando entro num elevador não sei quem andou antes, se andou de máscara, se espirrou, se lambeu o espelho... mas não vejo ninguém a desinfetar o elevador a cada subida ou descida.

É como digo, estamos todos a ficar um pouco apanhados do clima. Tenho de ir, está na hora de entrar no meu turno na praia...

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