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Crónicas

Faz agora 25 anos

Daqui por uns dias terão passados 25 anos sobre a morte da minha mãe, é uma data que nunca esqueço. Aquele sábado, um sábado como os outros em que tinha combinado ir ao Lido, mudou quase tudo na minha vida. Eu não sabia o que significava para sempre, perder para sempre e tinha vivido numa bolha, num ambiente protegido, onde, fosse qual fosse a tempestade, havia aquela casa, onde a minha mãe me esperava.

Eu achei que estaria lá durante muitos anos e não estava preparada para aquela chamada do hospital, mas ninguém está, a dor é coisa a que ninguém se acostuma. Não nos dizem como se faz depois, no dia seguinte, quando é preciso levantar, vestir e sair para a rua. O luto não se faz em dias, nem eu fiz no mês em que me vesti de preto, tal como lhe tinha prometido. A minha mãe dizia que ia morrer nova, o que me parecia um daqueles pressentimentos tolos, daqueles das velhas do Laranjal.

As velhas sabiam sempre o que ia acontecer, tinham sonhos e, quando alguma coisa corria mal, o sonho passava a um aviso, só podia ser. Os pressentimentos eram mais ou menos como os bruxedos, o olhado, eram coisas que não existiam. E lembro-me de fazer contas e dizer que, decerto, a minha mãe passaria dos 80, só depois podia morrer, quando eu fosse já uma velha parecida com as minhas tias e com ela, era o mais lógico, vê-la envelhecer, mas, naquele dia, quando ligaram do hospital eu já devia saber que a vida não é lógica.

A vida acontece, traz o bom e o mau, nem sempre na mesma proporção e sei, que, quando me olhei ao espelho na segunda-feira seguinte não era mais a miúda protegida a quem a mãe levava o pequeno almoço à cama e puxava os lençóis para cima e, com ar atento, via se os meus artigos no jornal estavam bem escritos ou tinham erros, mas arrumava todos na prateleira de baixo do móvel de televisão. Quando gostava muito, mostrava a quem tinha mais confiança com um sorriso na cara. Uma vez ou outra, aquele orgulho deixou-me sem jeito.

E, pela primeira vez, senti que estava só, que dali para a frente era tudo novo, um território desconhecido, onde não havia o juízo acertado ou até aqueles pressentimentos das velhas. No cimo das escadas, com o cão ao lado, já não estaria a minha mãe para ouvir as boas notícias e a dar-me esperança para os dias maus ou jogar ao cassino no domingo à noite, enquanto a televisão dava o Domingo Desportivo. A partir daquela segunda-feira seria eu a decidir, o elo mais forte da minha vida estava quebrado.

Faz agora 25 anos que a minha mãe morreu, soube por uma chamada num dia em que devia ter ido à praia, quando me parecia possível esticar ainda e por muito tempo aqueles anos de menina despreocupada, tinha a ideia de que faltava muito para ser grande. A morte da minha mãe fez-me aterrar, sem rede e sem aviso, na vida adulta.

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