O protectorado

Angola já era nossa (1575) quando, a 1 de Fevereiro de 1885 (300 anos depois), foi assinado o tratado de Simulambuco entre Portugal e Cabinda, através do qual este território, por decisão livre dos seus representantes, se tornou num protectorado do nosso país. Nos dois anos anteriores já tinham sido celebrados os tratados de Chinfuma (1883) e Chicamba (1884) cujo conteúdo era semelhante aquele. E foi com base nestes tratados que a Conferência de Berlim de 1885 reconheceu a “posse efectiva” (condição exigida) a Portugal do território de Cabinda sob aquela forma jurídica (protectorado). As Constituições da República Portuguesa de 1910 e 1933 reconheceram, enquanto estiveram em vigor, na sua letra e espirito, o protectorado de Cabinda, O diploma intitulado “Ato Colonial” de 1933 que classificou os nossos territórios africanos de colónias segue o consagrado na Constituição reconhecendo Cabinda como uma das suas colónias. E foi com base no reconhecimento internacional deste protectorado que Portugal celebrou acordos, com os países limítrofes do mesmo, delimitando fronteiras e cedendo inclusive uma faixa de território, a sul do mesmo, à Bélgica para permitir ao Congo Zaire uma saída directa para o mar. Esta cedência constitui o primeiro abuso de Portugal à letra dos tratados, os quais exigiam respeito pele integridade do território, mas a força da Bélgica não nos permitiu outra opção. Estes acordos provam que a comunidade internacional reconhecia a soberania portuguesa sobre o protectorado. Durante o período que vai desde o fim da II Guerra Mundial até ao 25/Abril/74, Portugal, a ONU e a OUA sempre defenderam as suas posições sobre descolonização respeitando a individualidade de Cabinda. O Governo de Portugal, através da Lei 2048 de 11/Junho/1951, classificou de províncias ultramarinas as colónias descritas na Constituição passando Cabinda a ser uma delas para a qual foi designado um governador. Em 1956, Portugal, de forma unilateral, nomeou um único governador para Angola e Cabinda decisão prevista naquela lei, com fundamento na proximidade dos territórios, mas tal não belisca a individualidade de cada um deles uma vez que a Constituição não tinha sido alterada. Esta decisão foi porém o motivo que levou à criação da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda). A ONU através da Resolução 1542 de 15/12/1960 considera Cabinda um “território autónomo” (colónia) com direito à auto determinação e a OUA, na sua XII Cimeira em 1966, numerou as colónias africanas atribuindo a Cabinda o número 39 e a Angola o 35. Contudo, o MFA movimento que liderou o golpe militar do 25/Abril, contrariando o seu programa que defendia a autodeterminação dos povos, entregou Cabinda a Angola (90 anos depois), por pressão de Agostinho Neto, constando tal decisão no acordo para a independência para Angola, subscrito pelos três movimentos de libertação deste território. Em Novembro de 1974, a população da cidade de Cabinda, liderada pela FLEC, manifestou-se na rua de forma massiva, sob a segurança do Exército Português, a favor da sua independência. Contudo, uma força conjunta do Exército Português e do MPLA (o acordo de paz entre estas duas forças militares foi feito no dia 22/Out/74) entraram na cidade, atacaram a sede da FLEC ocasionando algumas baixas e ocuparam o Comando do Sector fazendo reféns todos os oficiais superiores que lá se encontravam entre os quais o Brigadeiro Themudo Barata. Esta operação só foi possível porque certamente as tropas portuguesas encarregadas da defesa da cidade não receberam ordem do QG de Luanda (chefiado por Rosa Coutinho) para impedir a entrada da força invasora. Uma delegação de Luanda, chefiada pelo Brigadeiro Silva Cardoso, adjunto de Rosa Coutinho, veio então a Cabinda tendo libertado os oficiais reféns (vergonhosamente trancados num quarto à entrada do qual estavam militares do MPLA segundo Silva Cardoso) mas aceitado as condições impostas pelos militares portugueses revoltosos: 1.ª a ilegalização da FLEC, 2.ª a destituição do Brigadeiro Themudo Barata por alegadamente ter facilitado a vida à FLEC. A aproximação da data da independência de Angola marcada para Janeiro de 1975 foi certamente a razão para esta operação. Havia pressa em afastar todos os obstáculos que se opusessem à integração de Cabinda em Angola. À pala deste episódio ainda tivemos problemas com a FLEC que nos atacou no Massabi tendo provocado dois mortos. O problema do protectorado continua, porém, na ordem do dia, apesar do silêncio ensurdecedor das instâncias internacionais e do governo português, como prova a luta do seu povo contra o novo colonizador, uma vez que o direito à autodeterminação dos povos é imprescritível. Aqui fica o testemunho de quem participou nestes acontecimentos sem ter consciência do que estava em jogo porque os militares apenas eram treinados para cumprir as suas missões e não para conhecer as questões políticas subjacentes.