Crónicas

O bom, o mau e o mago

Nem todas as verdades são para todos os ouvidos, escreveu Umberto Eco. A propósito de verdades, nas últimas semanas, ficámos a saber a verdade sobre Isabel dos Santos e o regime angolano. O pior é que já sabíamos tudo, só não sabíamos quando se iria saber. No Reino Unido, consumou-se, finalmente, o divórcio com a União Europeia. Todavia, apesar dos festejos, na verdade ninguém sabe o que ganham os ingleses com a separação. Do outro lado do globo, um vírus colocou o mundo em alerta. Dizem-nos que estamos preparados. A verdade é que só saberemos quando o pior acontecer.

O Bom: Idalino Vasconcelos

Há dois reconhecimentos que um governante procura. O reconhecimento dos cidadãos no dia das eleições. E, ao longo do mandato, o reconhecimento daqueles que foram eleitos para lhe fazer oposição. O primeiro é difícil, o segundo quase impossível. Idalino Vasconcelos conseguiu os dois. Em 2017, derrotou um presidente de câmara no final do primeiro mandato e interrompeu um previsível ciclo socialista na autarquia. Em 2020, convenceu uma vereadora da oposição a trabalhar consigo e a fazer parte da equipa que lidera. Mas a reviravolta na Câmara do Porto Santo revela mais do que reconhecimento, é sinal de capacidade política. Se todos conheciam a convocatória para a reunião camarária, onde constava a inclusão de um novo membro no executivo, poucos sabiam do convite feito à vereadora socialista. E permaneceu assim – em segredo – até ao último momento. De tal forma, que os outros dois vereadores da oposição desconfiaram um do outro, sobre quem seria o indicado para o lugar. Esqueceram-se de Sofia Santos. A vereadora fez o que todos apregoam e poucos fazem, pôs a sua terra e a sua consciência à frente do partido. Ao PSD, para voltar a ganhar no Porto Santo, basta não repetir o erro das últimas autárquicas: criar problemas onde eles não existem.

O Mau: João Cravinho

Hugo Abreu tinha 20 anos. Dylan da Silva também. Os dois perderam a vida, no campo de tiro de Alcochete, a tentar cumprir um sonho: receber a boina vermelha de comando. A indignação coletiva que se seguiu à morte dos dois jovens, que suspendeu os cursos de comandos e que ameaçou extingui-los, deu lugar ao esquecimento. Depois, seguiram-se os processos criminais, os pedidos de indemnização e, simultaneamente, a negociação de um acordo com o Estado. Até descobrirmos que, afinal, o Estado iria esperar pelo final do processo judicial para decidir se pagava, ou não, a indemnização às famílias. Assim, sem outra justificação. O Estado que deixou morrer, é o mesmo que agora vira um negociador astuto e calculista. Que usa a sua ineficácia – a lentidão da justiça – como trunfo negocial. João Cravinho, Ministro da Defesa, é a cara do Estado que virou as costas aos seus. E numa semana em que todas as figuras de Estado, do Presidente da República ao Presidente da Assembleia, condenaram (e bem) declarações racistas de um deputado, é revelador que ninguém se lembre do Hugo e do Dylan. O Estado tem que ser responsável pelas dívidas de gratidão que tem. E não haverá maior dívida do que dar a vida pelo seu país.

O Mago: Miguel Gouveia

Miguel Gouveia estava para Paulo Cafôfo, como Mário Centeno está para António Costa. Eram os homens das contas certas. Tão certas que até partilhavam alcunhas que asseguravam a sua competência. Gouveia era o mago, Centeno o CR7. A diferença é que o Ministro continua nas Finanças e o Vice herdou a presidência da Câmara do Funchal. E a herança tinha tudo para dar certo. Se todas as governações assentam numa narrativa, no Funchal, o Partido Socialista construiu a sua com a redução da dívida e a garantia de contas certas. Com a saída de Paulo Cafôfo para outros palcos, Miguel Gouveia era o sucessor natural dessa história. Afinal, tinha sido ele o obreiro do milagre financeiro ocorrido no Funchal. O problema é que ao presidente de uma câmara não lhe basta pagar as contas. É preciso liderança e diálogo. E Gouveia apercebeu-se disso demasiado tarde. Por isso teve as contas chumbadas pela Assembleia, um empréstimo duas vezes reprovado pelo Tribunal de Contas e o orçamento da Câmara rejeitado por toda a oposição. Se isso não bastasse, começa o ano com o encerramento da Frente Mar Funchal. É certo que não há inocentes na gestão da empresa municipal. Talvez por isso o problema não esteja na dissolução, mas no que a antecedeu. O aumento de 43 para mais de 120 trabalhadores, desde 2013. As notícias que anunciavam uma redução milagrosa do passivo da empresa. O financiamento encapotado pela Câmara através da compra de bilhetes para os complexos balneares. Tudo enquanto o atual Presidente impedia uma auditoria à empresa, votada pelos deputados municipais. Com o cerco a apertar-se e sem argumentos para continuar a esconder as contas, Miguel Gouveia, num repentino truque de magia, fez desaparecer a empresa. Puf! Foi-se a Frente Mar, mas ficaram todas as perguntas. Sem resposta. Será que o mago ficou sem truques?