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Terríveis acabamento e péssimos (re)começos

De uma forma semi-generalizada, a propensão criminal jaz nas causas individuais subjacentes a cada crime

2020 começou e já voltamos ao pânico do costume. Por um lado, voltam os velhos problemas de que nos esquecemos durante o período natalício e, por outro, apresentam-se novos como é exemplo o caso do assassinato indiscreto de Soleimani, protagonizado pelos Estados Unidos da América que já gerou uma vasta panóplia de reações e novos medos.

Eu, no que me toca e como de costume, vou continuar a tradição este ano e aproveitar os meus artigos de opinião para ponderações azedas e para as críticas que considero mais merecidas. Pego, por isso, num dos problemas que marcam o presente mês (e, pelo menos parcialmente, o mês passado), que, se for preditor daquilo que será o resto do ano, se torna ainda mais negro, — a violência bárbara nas cidades portuguesas, aquelas que são consideradas as “terceiras mais seguras do mundo”, uma caracterização que, como já mencionei previamente, considero pouco precisa ou minimamente concreta.

Parece-me algo complicado ou até hipócrita caracterizar uma sociedade como “segura” quando nela ocorrem crimes de gravidade avulsa como são exemplo, e tema central deste artigo, os dois casos distintos de finais de 2019 que resultaram na morte de dois jovens: Giovani Rodrigues, estudante cabo-verdiano de 21 anos, em Bragança, e Pedro Fonseca, estudante português de 24 anos, em Lisboa. Nestes dois casos, surgem dois aspectos que demonstram que, de facto, 2019 acabou mal e 2020 continuou pior por via dos media.

O primeiro aspecto, o de pendor criminal, é comum aos dois casos pois ambos corporizam características que os tornam verdadeiramente chocantes: Giovani Rodrigues foi agredido (acabando por morrer, depois de 10 dias em coma) por um grupo composto por 15 ou 20 indivíduos; e Pedro Fonseca foi esfaqueado e morto no local por um grupo de três indivíduos com idades de 16, 17 e 20 que o tentou assaltar, ou seja, foi morto por adolescentes.

No que toca ao outro aspecto que acho ser também relevante destacar e que se aplica mais ao primeiro caso prende-se com a falta de profissionalismo dos media portugueses no (não) relato deste último que, por si só, já “incendiou”, com toda a razão, a população (seja a portuguesa, seja a de ascendência cabo-verdiana, seja até a africana em geral) ao ponto de já se terem desencadeado manifestações tanto em terreno nacional como na pátria do jovem.

Perante tudo isto, é óbvio que em 2020 há problemas que ainda não foram resolvidos, nomeadamente o problema de vivermos numa sociedade que gosta de tapar o Sol com a peneira através de orgãos de comunicação formais que, deliberadamente ou não, falham na demonstração daquilo que é a realidade portuguesa. É verdade que a descida dos números da criminalidade já detetada no ano passado é um feito relevante seja em termos nacionais, seja internacionais. Contudo, de que forma é isso relevante quando ainda ocorrem crimes de tamanha selvajaria? De que serve um ranking de segurança a famílias que sofrem a perda dos seus membros mais novos em eventos de tamanha violência e às mãos de indivíduos tão insensíveis à violência e desprovidos de qualquer sentido de moralidade que se veem capazes de, num caso, realizar um linchamento público, e noutro, transformar uma tentativa de assalto num homicídio com arma branca?

De uma forma semi-generalizada, a propensão criminal jaz nas causas individuais subjacentes a cada crime, todavia a ampliação da primeira acaba por ocorrer devido à presença ou ausência de certos fatores contextuais da nossa sociedade seja no sentido físico, seja no fraco controlo e vigilância local, seja ainda no sentido de sociedade enquanto grupo de cidadãos, cuja falta de empatia em relação ao “próximo” deriva de más práticas educativas para a ética e para o civismo. Enquanto que as causas individuais são de responsabilidade dos envolvidos, o resto é de responsabilidade do Estado e da sociedade, e ambos falharam severamente tanto a Giovanni como a Pedro.