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O ‘leilão’ eleitoral regional

Aproximam-se as Eleições Regionais e os políticos (sobretudo os das principais forças políticas e candidatos) apresentam agora ao eleitorado uma “chuva de promessas e compromissos” para todos os gostos e feitios, o que evidencia o quanto é cada vez mais irreconciliável o poder e a veracidade, na medida em que o sistema democrático vigente (e os media) parece preferir e valorizar, cada vez mais, a popularidade à Verdade.

O ex-primeiro-ministro da Prússia e chanceler do Império Germânico, Otto von Bismarck, escreve numa das suas memórias que “nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça”, e Thomas Payne, com sarcasmo, adverte que qualquer pessoa que fale bem é até “capaz de convencer os outros de que os burros voam” ou, mais recentemente, que as “vacas podem voar” (disseram-nos que até já há ‘bovinos alados’), como bem afiançou, em 2016, o atual primeiro-ministro, numa apresentação do Simplex quando resolveu oferecer um espécime destes à ex-ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques.

Mas a originalidade e criatividade não ficam por aqui e está ao rubro por estes dias. A eloquência e retórica (para não mencionar demagogia), melhor, a missão fundamental do ofício político que é convencer, seduzir, persuadir – através dos encantos de um discurso bem articulado – o cidadão-eleitor, atingiu nas últimas semanas, patamares quase inimagináveis, em que promessas excêntricas e insensatas são anunciadas (e oferecidas) como possíveis, razoáveis e credíveis. Os candidatos em ação prometem “fazer coisas com palavras” nas mais diversas áreas da governação, como é no caso da Saúde, Educação, Cultura, Ambiente e causa animal, Impostos, Turismo, Emprego, Igualdade de Género, Justiça Social, Economia, Habitação, Mar, Energia, Ciência, Preços dos Combustíveis, Transportes, Agricultura, etc., e o cidadão assiste, mais ou menos curioso e espreito, a esta espécie de leilão de promessas eleitorais, ou seja, ‘venda’ pública de comprometimentos, alerto à “base da licitação”, a quem faz a melhor oferta, quais os ‘lotes’ que estão em causa, o número de ‘lances’, qual o valor que vai ser atingido, etc., evidenciando-se que os candidatos estão já a ser arrastados pelo entusiasmo de manter/chegar ao poder, não olhando aos limites ditados pelo bom senso e pela disponibilidade financeira da Região. Recordo, pois é sempre bom refrescar memórias, que quem vai pagar todas estas promessas – se forem executadas – serão sempre os cidadãos!

Mas, concentremos, então, algum reparo e alerta nesta propaganda política: prometem-nos a compra de um hospital privado por 75 milhões de euros para suprimir as necessidades até à construção do novo Hospital Central do Funchal; a contratação de 100 médicos de família; a aposta nos cuidados primários, desativação do Hospital dos Marmeleiros e o reforço em cerca de 75 milhões de euros do programa de recuperação de cirurgias para acabar com as listas de espera. Asseguram um novo concurso público para a ligação ferry com Lisboa, durante todo o ano e a caução de 12 milhões de euros do governo da República; afiançam o aumento do PIB em 10%; dois milhões de euros para trazer 10 novas rotas aéreas; a eliminação de todas as quotas na progressão na carreira dos professores; acabar com o favorecimento e o clientelismo na região e promover a igualdade de oportunidades; coberturas em novos auditórios de escolas públicas; investimentos de milhões em mais obras, em colaboração com as câmaras e em todos os concelhos da Região; melhorias em diversas escolas; a contratação de mais enfermeiros; milhões de euros para a reabilitação de cais, portos e marinas; ajuda na construção de novas residências universitárias, parques de lazer e um novo pavilhão de andebol (parece que já abandonaram a pista de atletismo no Funchal); ajuda ao sector agrícola e das pescas e até já se anunciou um novo complemento de 150 euros para pessoas com mais de 65 anos para financiar a aquisição de óculos, “sejam aros, sejam lentes”... (curiosamente, esqueceram aquela promessa de 2015 que apontava a limitação dos mandatos) enfim, creio que estamos já a meio caminho da fabulosa (e imaginária) ilha da Utopia, onde Thomas More coloca na boca da figura do navegador português, Rafael Hitlodeu, a descrição da “nação mais civilizada do mundo” onde todos vivem felizes pois cada um tem tudo aquilo de que precisa e nenhum prazer é proibido.

Porém, é prudente estar bem atento a esta cascata de boas notícias e de popularismo eleitoral, pois o passado (e a memória) ensina-nos que construir um futuro com pés de barro é criar novas situações de desequilíbrio, promover problemas e mais irresponsabilidades e, como adverte o provérbio popular, “promessas não pagam dívidas”, mas muitas vezes criam-nas!

É verdade que precisamos de promessas que tracem um rumo e fomentem a esperança, mas também é verdade que os grandes políticos/estadistas são os que nos surpreendem ao cumprirem as promessas. Numa altura em que centenas (para não dizer milhares) de jovens continuam a abandonar a Região (e o país) para emigrar – fenómeno de que pouco se fala – será necessário que os nossos futuros governantes passem algumas das suas (boas e sustentáveis) ideias abstratas à materialização/concretização, sempre tendo como horizonte a reparação de injustiças e a construção do bem comum, pois só assim conseguirão segurar a confiança – e o voto – dos eleitores nos seus partidos (e em si) e a nobre atividade política não naufraga.