Madeira

Saúde antecipa mudanças significativas

Adalberto Campos Fernandes diz que nesta área é preciso fazer opções e que o novo Hospital da Madeira é um projecto “fantástico”

Foto Rui Silva/Aspress
Foto Rui Silva/Aspress

Cerca de 10.000 milhões de euros é quanto o Governo da República gasta em saúde em despesa pública e 17.000 milhões de euros na despesa total, uma verba que ainda assim é insuficiente para dar alta médica à Saúde em Portugal. No futuro esperam-se mudanças significativas nesta área, entre elas uma saúde cada vez mais próxima da pessoa, antecipa Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro do actual governo com esta pasta, que hoje esteve na Madeira para falar sobre cuidados diferenciados. “Há que adaptar porque as realidades que aí vêm são realidades novas, a robotização, a medicina personalizada, as novas formas de abordar o doente na comunidade, a hospitalização em casa”, exemplificou. O convidado da conferência promovida pela Ordem dos Enfermeiros na Madeira assume que o sistema não está preparado. “Nós nunca estamos preparados para mudanças tão significativas e tão profundas. É por isso que o futuro prepara-se com tempo, com planeamento”. Quanto ao novo Hospital da Madeira, diz que é um “belíssimo projecto” e que faz questão de cá estar na abertura, mesmo que não seja convidado.

O serviço de saúde de hoje tem pouco a ver com o de há 40 anos e o que está a feito no país e na Europa é procurar ajustar as respostas à necessidade, a oferta à procura, ao mesmo tempo que se procuram novas dimensões. O futuro, defendeu, passa muito pela proximidade, pelos cuidados de saúde centrados na pessoa. “Hoje em dia a própria transformação digital faz com que os cidadãos tenham um nível de conhecimento, de participação e de vontade de serem agentes do seu próprio processo de saúde que não tem nada a ver com o que acontecia há anos, em que a soberania do conhecimento médico e de enfermagem se sobrepunha muito ao conhecimento pessoal”.

Os novos desafios implicam mais meios, por um lado, mas por outro possibilitam tirar partido da tecnologia, na sua opinião, nomeadamente através de actividades e processos que podem ser relativamente automatizados. A transformação digital traz maior segurança e maior transparência, afirmou. “O que não se mede, não se conhece, o que não se regista, não pode ser avaliado. E portanto a transformação digital permite hoje praticar actos mais seguros, mais comparáveis entre si e permite confrontar”. A confrontação é boa no seu entender porque as boas práticas são identificadas, podem ser seguidas e copiadas.

Sobre as reivindicações, Campos Fernandes alerta para a necessidade de distinguir o que é legítimo, do que não é. Toda a gente dependente em maior ou menor grau do dinheiro público, afirma. “Não há praticamente um stakeholder em Portugal, socioprofissional, ou corporativo, ou empresarial que não dependa do dinheiro público e essa dependência do dinheiro público faz com que haja este nível de reivindicação permanente, de ruído”. O objectivo na óptica do ex-governante é pressionar os governos, independentemente da cor partidária e recorda que nos últimos 40 anos não houve um que não se tenha confrontado com um permanente ruído em torno do sector da saúde. “Quando há dependência do dinheiro público há competição, quando há competição pelos recursos, todos querem um pouco do queijo. E o que é que faz o governante? É tentar fazer com que o queijo faça produzir o maior número de fatias. Há-de haver um momento em que a fatia já não é possível de cortar e portanto a contestação e a reclamação existem”.

Importa no seu entender falar a verdade aos cidadãos, explicar as dificuldades e importa que os governos cumpram o seu papel, sejam regionais ou nacionais, “que percebam que a repartição dos recursos, para ser solidária, tem de ter em conta as prioridades”.

O país para o que foi fundado o Sistema Nacional de saúde já não existe e a saúde está a mudar muito depressa. “As expectativas em saúde não têm limite”, afirmou. “Em termos de sustentabilidade há sempre esta pergunta ‘Mas os sistemas de saúde são sustentáveis?’ E eu respondo sempre da mesma maneira: depende. É aquilo que nós quisermos. Se nós quisermos ir dando ou correspondendo às expectativas, eles são completamente insustentáveis”.

Adalberto Campos Fernandes dá como exemplo a saúde oral. Se o Governo da República cumprisse o imperativo de cobertura geral de cuidados para todos tinha de dar saúde oral gratuita a todos. Não dá, apesar de haver já o cheque-dentista no continente e alguns centros de saúde com estes especialistas. 85% da população vai ao dentista por sua conta. Para incluir a saúde oral para os 10 milhões de portugueses custaria por ano 900 milhões de euros, calculou. “Daria para fazer cinco hospitais da Madeira, daria para fazer dois hospitais Lisboa Oriental em Lisboa e assim sucessivamente. É esse o problema dos recursos e do cruzamento dos recursos com as necessidades”. O Governo, disse, tem de ter sempre presente, “com nervos de aço e cabeça fria, ver é que está o interesse público, qual é verdadeiramente o interesse das pessoas, principalmente daquelas que têm menos possibilidades, e quais são as intervenções mais custo-efectivas”.

Cada vez mais as necessidades tornam-se mais complexas, há mais competição pelos recursos financeiros e as pessoas são mais exigentes, num país com poucas crianças e envelhecido, traçou o quadro. No futuro a situação vai agravar-se e o país vai ter problemas de sustentabilidade económica e financeira, disse. “Com 300 idosos para 6 jovens, a população activa não tem forma, no actual modelo de redistribuição dos benefícios, de gerar valor na economia para suportar as pensões, os cuidados de saúde. Termos de fazer alguma coisa até lá”. Portugal está a envelhecer mais do que a média da Europa, recordou. Uma solução poderá passar por a Europa evoluir para um sistema federado com orçamento comum e Portugal beneficiar da consolidação orçamental.

Neste caminho para o futuro, o ex-ministro considera que os algoritmos, a inteligência artificial é um poderoso aliado. A revolução tecnológica, acredita, permitirá uma evolução mais rápida e que se proporcione melhores cuidados, mais seguros.

Adalberto Campos Fernandes é favor do pensar global e agir local, de que cada um seja gestor no seu posto e de cada indivíduo no sistema esteja bem, o que não se limita a compensação salarial. “Uma palavra, um sorriso, aquilo que está a faltar um bocadinho nas profissões de saúde por via da mecanização e da sobrecarga, que é a compaixão, o ter solidariedade humana com a pessoa que está mesmo no fim do seu tempo e a luta contra a mecanização ou dessensibilização dos cuidados”.

O futuro do Mundo no seu entendimento passa por reduzir as desigualdades. O papel do Estado, defendeu, deve ser indutor do desenvolvimento social, deve regular a sociedade protegendo-a das ameaças e deve trabalhar “obsessivamente” para reduzir as desigualdades e promover a dignidade humana. “A capacidade de investimento e a mobilização do investimento deve ter como foco prioritário as intervenções que sejam mais custo-efectivas”, e deu como exemplo o Hospital da Madeira. “Estamos todos ansiosos por vê-lo nascer, eu aí faço mesmo questão de cá vir, mesmo que não seja convidado, porque eu gostei imenso, o projecto é fantástico, é um belíssimo hospital”, afirmou.

Élvio Jesus, dirigente da secção regional da Ordem dos Enfermeiros, defendeu a necessidade de os serviços se focarem cada vez mais nas pessoas, de haver maior coordenação, mas também de os serviços serem desenhados, organizados e preparados para facilitar o trabalho dos profissionais.

As conferências procuram contribuir para essa integração e continuidade, para uma resposta cada vez mais adequada e de forma sustentada. “O dinheiro não chega para todos, e quando o dinheiro vai para um lado desnecessariamente, falta noutro lado”, alertou.