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Envelhecimento

Nos últimos tempos, tenho sido solicitado para fazer diversas conferências. O tema prevalente (três conferências, nos dois últimos meses) tem sido acerca de velhice e de envelhecimento.

A necessidade de corresponder às solicitações levou-me a centrar o pensamento no processo de envelhecimento. Melhor, no que tenho experimentado com o acumular de dias, de anos, de décadas na minha vida.

No fundo, tornar consciente um processo de transformação que ocorre, inevitavelmente, quando a existência se prolonga no tempo.

Falando com diversos amigos, depressa concluí que pouca gente elabora pensamentos acerca do assunto. Provavelmente, porque o tema nos encaminha para a inevitabilidade da morte e a morte sempre foi, e continua a ser, um tema tabu para a maior parte das pessoas na maioria das civilizações.

Os mais idosos têm tendência a passar o tempo lembrando “glórias” passadas e lamentando o presente. Os jovens têm tendência de considerar os mais velhos incapazes e ultrapassados.

Mas, o envelhecimento, pelo menos no que a mim diz respeito, não traz só as desvantagens da dificuldade na utilização do corpo e no abrandamento das capacidades mentais. Também traz factores compensatórios e, mesmo, de certo modo, libertadores.

Se as coisas correrem bem ao longo da vida, se soubermos utilizar o tempo que nos é concedido para usarmos o nosso corpo, vivermos com os outros e habitarmos o único mundo que conhecemos, há uma altura do percurso em que deixamos de ter as preocupações que, normalmente, preenchem o dia-a-dia dos “primeiros” anos de vida: a necessidade de encontrarmos o nosso espaço, de demonstrarmos do que somos capazes, de trabalhar arduamente para assegurar alguma qualidade de vida, de nos subordinarmos às regras e ditames de grupos e da sociedade em geral, de tentar não prevaricar para não sofrer consequências, o receio do que os outros possam pensar de nós...

No entanto, só na última parte da vida é que, efectivamente, se tem a noção do tempo “presente”, quando já temos um “passado” e o futuro é, pelas contingências naturais da vida, mais curto do que gostaríamos que fosse. Já não se torna, na maior parte dos casos, necessário “preparar o futuro”. Há que viver o presente.

Falando por mim (único exemplo que, verdadeiramente, conheço), posso dizer que, apesar de ter tentado ser, ao longo de toda a minha vida adulta, livre de preconceitos e medos, só nos últimos anos é que me tenho sentido verdadeiramente livre da maior parte das amarras do “politicamente correcto” e da censura social. Privilégio de quem já prestou provas ao longo da vida e não precisa de demonstrar nada a ninguém, nem sequer a si próprio.

Consciência de quem sabe que os anos que lhe restam de vida devem ser vividos, o mais incondicionalmente possível, procurando o prazer, a felicidade e a paz. Para isso trabalhei todo o anterior resto da minha vida.