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Heróis e mártires

O mito dos heróis satisfaz as nostalgias de muita gente. Sentem-se, de certo modo “vingadas” dos seus desencantos

A maior parte das pessoas necessita de heróis. As dificuldades do dia-a-dia, as insuficiências, as debilidades, as inseguranças, o sentimento de impotência que quase toda a gente sente, pelo menos de vez em quando, geram a necessidade de criar heróis. Seres míticos que encarnam tudo aquilo que os simples mortais não se sentem capazes de ser.

Ao identificar-se com as figuras, pessoas ou personagens, reais ou imaginárias, a quem se atribui o estatuto de heróis, as pessoas sentem-se mais protegidas, representadas. Sentem-se importantes por transferência.

O mito dos heróis satisfaz as nostalgias de muita gente. Sentem-se, de certo modo “vingadas” dos seus desencantos, insuficiências, perseguições, incompreensões, transferindo para o herói, para o “vingador”, a responsabilidade de defender a sua causa.

Os heróis podem ser guerreiros, políticos, desportistas ou, mesmo, médicos. Penso que já perceberam a quem me refiro. À personagem mais falada nos últimos dias a quem diversas pessoas na rua, no café e nas redes sociais, consideram um herói, cheio de coragem, que denuncia a podridão que grassa no Serviço Regional de Saúde, a vergonha que enlameia as relações promíscuas entre entidades públicas e privadas, que defende os “direitos” do vulgar cidadão anónimo, que luta contra o sistema, que dá o peito às balas em defesa de grandes princípios.

A maior parte das pessoas que assim pensa não têm a mínima informação acerca da situação real que espoletou os acontecimentos que se têm desenrolado ultimamente. Desconhece, em absoluto, o médico em causa, não tem qualquer noção de como funciona ou deve funcionar um serviço como o que tem estado sob a sua direcção, desconhece o comportamento anterior do profissional.

No entanto, muita gente se apressa a tecer comentários elogiosos ao “herói” e a aceitar como boas todas as acusações indiscriminadas com que mimoseia colegas, serviços, instituições. Sem considerar que quem aponta o dedo a todos os demais e pretende ser impoluto, detentor da verdade, iluminado, corre o risco de ser como a personagem da anedota que, segundo a própria mãe, era o único que marchava com o passo, certo na parada...

Por outro lado, as autoridades de saúde e os responsáveis políticos ao demorarem bastante tempo a reagir e ao fazê-lo um pouco atabalhoadamente, estão a corre o risco de transformarem um “herói” num “mártir”.

Desejo, sinceramente, que o bom senso prevaleça, que se apure a verdade, de um modo claro, convincente e em tempo útil, para que seja punido quem eventualmente prevaricou e para que, a breve prazo, profissionais de saúde, políticos e instituições de saúde possam fazer aquilo que lhes compete: velar pela saúde de todos nós.