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Aprender

Quando se anda nestas lides da escola há mais de quarenta anos, e depois de tanta reforma curricular e muita desilusão com expetativas criadas, aprende-se a refrear entusiasmos face às novidades que os responsáveis políticos legitimamente introduzem no sistema, para, na sua opinião, melhorar o cenário da Educação nacional. O ponto de partida é quase sempre o mesmo: muita retórica, anúncios bombásticos em conferências de imprensa, publicação de decretos, despachos e portarias em Diário da República, geralmente sem a necessária discussão, preparação, aplicação faseada, monitorizada e avaliada... Esquece-se a imprescindível sensibilização e formação dos professores, a sua implicação de facto na mudança. Esquece-se o peso cultural e social dos testes e dos exames como objetivo, dos resultados nas pautas de fim de período escolar e de ano letivo como meta final e dos rankings como cânone de qualidade da escola. Esquece-se a implantação que a Educação tem em faixas dominantes da nossa sociedade, dita democrática mas eivada de elitismo e conservadorismo.

Entende-se a pertinência de introduzir alterações na dinâmica escolar. Mais do que nos aproximarmos de modelos de escola que funcionam de maneira diversa, há todo um conjunto de referenciais internacionais à escala global com que os nossos jovens terão de lidar, precisando por isso desenvolver todas suas capacidades e competências, adquirir saberes para um futuro incerto e uma sociedade diversa e multicultural. “As literacias para uma cidadania plena”. Que a escola tem de integrar. Inquestionáveis são os conceitos de adequações curriculares, diferenciação pedagógica, tendo em vista princípios democráticos de inclusão, igualdade e equidade, “para não deixar ninguém para trás”... A velhinha Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 já apontava para a necessidade de uma escola para todos, projetos educativos para a vida, construídos a partir da troca de saberes. E no mundo atual a evolução frenética do conhecimento científico e tecnológico não se compadece com anacronismos pedagógicos. Poderá o Decreto-Lei 55/2018 de 17 de junho, com a sua matriz de princípios, valores e áreas de competência para o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, operar a mudança?

Falaram-me de “interdisciplinaridade”, quando dava os primeiros impreparados passos na profissão docente, e desde logo as potencialidades da partilha, da cooperação, do trabalho de equipa me fizeram todo o sentido. Mas na vida escolar, a operacionalização plena desta organização pedagógica esbarra muitas vezes na incapacidade e impossibilidade logística organizacional de conciliar espaços e tempos de trabalho comuns. Ou na falta de vontade, por vezes. Ou de formação de base... Também, por culturas profissionais de recusa do pequeno passo de simplesmente abrir a sala de aula a outros participantes ou interlocutores no processo educativo... Questões de partilha de poder... Mentalidades...

A matriz deste Decreto-Lei é, por certo, consensual à generalidade dos professores. Não é possível menorizar princípios como a base humanista da Educação, nem a necessidade de promover o espírito crítico e criativo, ou de educar para o incerto e o inesperado, ou para a exigência e a excelência! A questão é alguma indefinição e ambiguidade entre as margens de autonomia curricular das escolas, na inclusão de disciplinas ou conteúdos de interesse local nos seus projetos educativos e o currículo nacional. Mas mais do que isso, o eterno problema são as lógicas organizacionais do sistema, o número de turmas, níveis de ensino e alunos atribuídos a cada professor e que condicionam a interdisciplinaridade e dificultam uma prática pedagógica diferenciada. Muito para aprender, a começar por quem decide.