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Quando é que a política colide com a cultura?

A Cultura muito lentamente tem vindo a aprender a abolir o uso medíocre da palavra “subsídio”

Vivemos um momento de enorme instabilidade entre os agentes que operam, os que financiam e os que consomem a cultura. É um facto que o modelo de subsídios à cultura, sempre dividiu as opiniões, levando-nos a crer que carecemos de investimentos mais diretos por parte do Estado. Essa tese não é de hoje. Mas, afinal, por que é que isto ocorre?

Um estudo publicado em 1989, presente no livro Who’s to pay for the Arts: The International Search for Models of Support, do norte-americano Mark J. Schuster, PhD do MIT, apresenta uma análise elaborada pelos pesquisadores Hillman-Chartrand e McCaughey, do American Council for the Arts, sobre o papel escolhido por diferentes nações no que tange ao investimento à cultura. O trabalho sintetiza os modelos de financiamento dividindo-os em quatro formatos: Facilitador, Mecenas/Patrono, Arquiteto e Engenheiro.

O primeiro a ser apresentado é aquele que tem por objetivo dar suporte ao desenvolvimento da criatividade e das artes de forma plural, o Facilitador. Este modelo implica que a produção cultural resultante do financiamento seja a mais diversificada.

Se no modelo anterior o financiamento resulta numa maior diversidade cultural, há um outro que deseja privilegiar a excelência de ações culturais mais relevantes. Tais países são considerados Mecenas/Patronos; neles, os recursos oriundos de orçamento público são aplicados por meio de uma agência “semipública” que goza de autonomia e independência, um formato conhecido como arm’s length. Neste modelo, os membros das comissões, nomeados pelo governo, são especialistas que têm por objetivo elencar a excelência artística entre diversas instituições e iniciativas. É utilizado pelo Reino Unido, onde as agências, conhecidas como Arts Councils, e as suas equivalentes regionais espalhadas pelo país atuam de forma articulada.

Em Portugal, há 20 anos chegamos ao famoso 1% do Orçamento para a cultura. Daí para cá as melhorias são mínimas, há exceção da Cultura que era pensada em termos de qualificação, de crescimento, de equilíbrio territorial, de projeção internacional, etc. Construiu-se muito nessa altura, e a Cultura foi então pela primeira vez dotada de um robusto programa próprio de financiamento de fundos europeus de cerca de 400 milhões de euros, o Programa Operacional de Cultura (POC), entretanto lamentavelmente abandonado.

A Cultura muito lentamente tem vindo a aprender a abolir o uso medíocre da palavra “subsídio”, agora substituído por financiamento ou investimento porque como acontece na agricultura ou na educação é disso que se trata quando se apoia a cultura, é fundamental continuar a construir bibliotecas, auditórios, e revitalizar arquivos, recuperando o nosso património e apoiando a criatividade nos mais diversos sectores, projetando e dotando a economia criativa.

É por isso necessário uma política pública de cultura integrada numa estratégia global, seguindo os bons exemplos e valorizando o nosso ADN, a nossa identidade. Não podemos compactuar com o uso da cultura como instrumento de “negócios” e temos de deixar de fingir que não vemos o regresso da cultura das larachas tradicionais que são óptimas para florear os discursos com umas citações de ocasião, que cada vez são mais frequentes para disfarçar as politicas cinzentas e sem profundidade de quem usa a cultura apenas para fins eleitorais.

É preciso continuar a trabalhar numa política cultural estruturante da visão de futuro dos seus agentes e do seu desenvolvimento, uma ambiciosa política pública de cultura, renovando-a tendo naturalmente em conta as novas condições do país e do mundo actual.

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