Análise

Voto obrigatório, porque não?

Os recentes acontecimentos relacionados com o mundo da política são frustrantes, confrangedores e pouco dignos da atenção da sociedade preocupada e participativa.

Do episódio imoral, para não deitar mão a adjectivos mais consistentes, da tentativa de aumentar o financiamento partidário à socapa dos olhos dos eleitores, passando pelos debates públicos que opuseram Santana Lopes e Rui Rio à liderança do PSD e aos que não existem, por cá, entre Emanuel Câmara e Carlos Pereira, na disputa pelo PS-M, ficámos estarrecidos e, infelizmente, esclarecidos em relação à bondade que boa parte da classe política brinda os portugueses eleitores. É tudo muito enviesado e desmotivador de qualquer tipo de aproximação às causas da política e dos partidos.

Como sabemos a abstenção tem vindo a aumentar a cada acto eleitoral. O povo está divorciado dos partidos e faz deles uma apreciação pouco abonatória, fomentada por trapalhadas sucessivas, servidas em doses generosas diariamente. Depois, na hora de votação, é o que se sabe. Pessoas cada vez mais distantes da tomada de decisão, do centro de decisão. Afastadas dos que são eleitos por cada vez menos eleitores, para gerirem a vida pública, a vida de todos nós, portanto.

Tanto na República, como na Região ainda estamos nos antípodas de uma salutar participação cívica esclarecida. Muito se comenta, se critica, até de forma encapotada nas redes sociais, mas depois, depois quase ninguém se compromete. Uns fogem ao debate, outros não o desejam, outros não o querem. A maioria adora passar incólume entre os pingos da chuva.

No passado sábado o ‘Expresso’ publicou uma sondagem onde 41,1% dos inquiridos defendem o voto obrigatório. É um número significativo, que deve suscitar o debate. Deve o voto ser obrigatório? Se não votar qual a consequência dessa atitude? Há países onde quem não cumpre com o seu dever cívico fica proibido de exercer uma profissão no sector público. Noutros paga-se multa ou é vedada a revalidação de documentos pessoais. A Constituição da República (CRP) diz que o voto deve ser exercido livremente e isso é, de facto, o cenário ideal. Mas não tem funcionado. E a CRP altera-se, se for necessário.

A indiferença reinante tem de ser alterada, porque ela é fatal. Qualquer dia, no limite, está o próprio regime democrático em causa.

O debate em torno da obrigatoriedade de votar deve ser retomado pelos políticos e por nós. Ou estarão os portugueses disponíveis, por inacção, a abdicar o actual modelo democrático? Porque não uma monarquia ou uma ditadura?

É que se esperarmos pelo engenho e arte da nossa classe política para captar gente para aderir a um projecto partidário, basta pôr um grupo de jovens a assistir a um debate entre Rui Rio e Santana Lopes para concluir que, passados cinco minutos, estão todos de olhos postos no telemóvel.

O alheamento quase total da política não se resolve à força, mas algo tem de ser feito.

Que legitimidade tem um não eleitor para criticar uma decisão tomada por uma entidade que exerce a sua função por via de uma eleição de que não fez parte?