Crónicas

É tudo pela rama

Ao contrário do que muitos apregoaram, Emanuel Câmara não foi o líder que decidiu transformar o partido numa barriga de aluguer. Emanuel Câmara foi o líder que conseguiu dar o PS-Madeira para adopção. Encontrou um protetor mediático que reunia todas as condições para fazer crescer o pequenino PS órfão, há anos, de lideranças fortes e selou o acordo.

Nem sempre a capacidade é sinónimo do sucesso da exposição mediática que é oferecida pelos órgãos de comunicação social ou pelas passerelles das imbecilidades que abundam nas redes sociais. Aliás, hoje em dia, vulgarizou-se de forma galopante os tais 5 ou 10 minutos de fama que, aqui há uns anos, muitos se esforçavam em conseguir. Esta vulgarização da imagem conta com a preciosa ajuda de experts do marketing que fariam corar de vergonha o Secretariado de Propaganda Nacional dos tempos do Estado Novo.

Numa sociedade habituada ao vulgar e àquilo que se tornou normal, são bem poucos os exemplos capazes de surpreender pela positiva. A falta de critério leva à escassez de padrões de qualidade e, a dada altura, não só estamos a “devorar” tudo o que é pseudoinformação falaciosa, como a dar créditos a gente que deve muito ao mérito e à capacidade.

Os ingleses têm uma expressão deliciosa: If you pay peanuts, you get monkeys! Isto adapta-se não só ao mercado de trabalho, como a vários outros sectores em que somos obrigados a conviver, enquanto membros da sociedade. Se os padrões são baixíssimos, a qualidade não pode ser a melhor. É o que há...

Perante estas situações, ou a pessoa encolhe os ombros e aceita o dito “normal” ou atreve-se a remar contra a maré e exigir mais qualidade.

- É tudo pela rama, senhora. É tudo pela rama...

O desabafo veio de um homem que, na fila de uma repartição pública, batia insistentemente o pé, como se aquele tique fizesse com que a funcionária desligasse o telemóvel e começasse a atender os utentes. Não funcionou.

Comecei a matutar naquela frase, proferida em jeito de lamento e cheguei à conclusão que, para uma grande parte das pessoas que conheço, são bem poucos os assuntos que merecem ser aprofundados ou por falta de tempo, pachorra ou até mesmo interesse.

If you pay peanuts you have monkeys...

A tal falta de standards atinge todos os sectores da nossa vida. Ainda há dias, um dos comentadores mais assíduos dos artigos publicados por este Diário (um homem que dá a cara e não se esconde atrás de perfis falsos) referia que «eleger é agora um produto empresarial». Mário Soares queixou-se do mesmo e em março de 2008 chegou a dizer que ainda «vai levar tempo para que os eleitores aprendam a resistir ao marketing e se habituem a escolher, pelas suas próprias cabeças, os Partidos e os Deputados».

O mesmo Mário Soares que criticou a «chamada democracia mediática», responsável pela criação de «alguns curto-circuitos difíceis de combater».

- É tudo pela rama, senhora. É tudo pela rama...

Ainda por mostrar se é ou não um «curto-circuito», Paulo Cafôfo ganhou as eleições no Partido Socialista da Madeira. Errado pensar que o mérito foi de Emanuel Câmara. Aliás, qualquer socialista (ou qualquer pessoa de outro partido ou sem partido) que assistiu às parcas declarações do então candidato, percebeu logo que ali havia uma clara falta de substância, consistência e até de articulação do discurso. Ao contrário do que muitos apregoaram, Emanuel Câmara não foi o líder que decidiu transformar o partido numa barriga de aluguer. Emanuel Câmara foi o líder que conseguiu dar o PS-Madeira para adopção. Encontrou um protetor mediático que reunia todas as condições para fazer crescer o pequenino PS órfão, há anos, de lideranças fortes e selou o acordo.

Muitos dizem que nasceu uma nova esperança. Torcem os dedos, em sinal de boa sorte, para que a adopção resulte e seja coroada de sucesso. Todos aqueles que se achavam capazes de ser “paizinhos” dos socialistas, renderam-se ao charme estratégico do factor externo e à ousadia, nunca antes vista, de entregar os valores e a matriz ideológica de uma organização partidária nas mãos de um alegado independente.

«A fidelidade à alma do PS é uma das garantias mais importantes do nosso futuro colectivo», Mário Soares, 19 de abril de 2007.

Mas não são apenas os “adoptados” que fazem figas. Nestes últimos tempos, vi e ouvi muitas pessoas de outros partidos a fazer contas de cabeça para 2019. A possibilidade de uma AD abre o espaço necessário para o ressurgimento de “velhas glórias” que já fazem pontaria para o alvo a conquistar.

E o que quer o povo? Alguém com a frescura necessária para relançar a esperança num regime diferente? Mas atenção: a História ensina-nos que a constituição dos regimes obedece sempre às mesmas regras e às mesmas condicionantes. Montar um sistema, um governo, uma equipa ou até mesmo uma comissão de festas de paróquia, nem sempre corresponde ao ideal de chamar os mais competentes para determinadas áreas. Aliás, será que eles existem em número suficiente ou é tudo pela rama?