Crónicas

Dos Trabalhadores da Administração Pública

Há notórias faltas de pessoal nalguns serviços e um notório excesso noutros

1. Disco: “Odeon Hotel” dos Dead Combo. Som nacional que marca uma nova fase deste projecto, ora a soar tão português, ora a soar tão internacional. Muito mais rock e onde outros instrumentos que não as guitarras de Tó Trips e de Pedro Gonçalves assumem papel de destaque. E, depois, e pela primeira vez, a voz. No caso o americano Mark Lonegan. A ouvir muito.

2. Livro: “Trabalhos e Paixões de Benito Prada” de Fernando Assis Pacheco. Uma estória de paixões, violência, vingança e um humor negro de primeira apanha. Assis Pacheco coloca este livro no panteão dos melhores livros jamais escritos em língua portuguesa.

3. Na semana passada escrevi, a propósito do Orçamento Rectificativo do Governo Autónomo, um pouco sobre a Administração Pública e os seus trabalhadores. Voltemos ao assunto excluindo, por agora, desta equação os professores e os que exercem as suas funções no sector da saúde:

Não gosto da expressão “funcionário público”. Acho que ganhou um significado pouco prestigiante. “Funcionário” é quase que oposto a “trabalhador”. Gosto muito mais de “trabalhador da administração pública”. É um sector que conheço bem não só na perspectiva do utilizador mas, também, por dentro porque já o fui e tenho muitos amigos e família que o são.

Crente que sou de que o estado tem que “emagrecer”, tenho a certeza de que o modo de o fazer passa também por menos, mais qualificados e mais produtivos trabalhadores públicos.

Tenho para mim que a maioria dos trabalhadores do estado são pessoas de muito valor mas desmotivadas pela burocracia, pela falta de reconhecimento do mérito e pela ineficácia dos procedimentos.

A burocracia mata a eficácia. Não se percebe a necessidade de tanto procedimento e tanto papel na administração do Estado, num momento em que a mesma deveria estar a passar por uma verdadeira revolução digital.

Há notórias faltas de pessoal nalguns serviços e um notório excesso noutros. Persistem bolsas de qualificação a mais para o desempenho de algumas funções enquanto, noutros locais, a falta de formação emperra o “modus operandi”. Há uma grande necessidade de se reestruturarem os serviços, recolocando e realocando trabalhadores públicos onde estes fazem efectivamente falta.

O Estado não precisa de mais gente. Precisa, isso sim, que se lhe faça um profundo e eficiente estudo da produtividade de quem para ele trabalha. De cima a baixo.

Depois, precisa que quem lá está seja mais bem pago. Seja por intermédio do aumento de salários, seja pela criação de prémios de produtividade.

Tenho a certeza de que um estudo bem feito provará à exaustão que os temos a mais. Ou seja a Administração Pública não precisa do “milagre da multiplicação” agora anunciado pelo governo. Despedimentos? Obviamente que não. O estado não despede ninguém, a não ser em casos de força maior.

Cada trabalhador a mais tem um custo a mais nas contas públicas. Podemos assim pensar em criar incentivos à saída, seja por intermédio de indemnizações, seja por intermédio de bolsas. Tudo comummente aceite por ambas as partes. Trabalhadores do estado podem assim passar para o sector privado, criando a sua própria empresa/negócio adelgaçando a máquina que vorazmente se alimenta dos impostos de todos nós.

O aumento da produtividade terá que passar por uma necessária desburocratização de procedimentos e metodologias e pela facilidade no relacionamento entre os cidadãos e a máquina do Estado que se quer pequena e funcional.

Ao aumentarmos os salários dos trabalhadores públicos podemos tornar desnecessária a corrupção e o “jeitinho”.

Dizia, há dias, um trabalhador da administração: “nós entramos numa organização com a vontade de a mudar... e apercebemo-nos, com o tempo, que a organização é que nos muda”. O caminho tem de ser esta vontade de mudança, de inovar, de simplificar rotinas e procedimentos de modo a que a qualidade do serviço seja efectiva. Se este espírito existe há que o aproveitar.

Resumindo: menos, melhor pagos e mais competentes. É disso que precisamos num processo que terá, obrigatoriamente, de ser longo, bem estudado e melhor implementado.

4. Na passada semana completou-se mais um aniversário da morte da minha mãe. E, por coincidência ou não, nos últimos dias aconteceram-me coisas que me fizeram lembrar dela mais do que o costume. E tiveram todas a ver com conversas tidas com alguns amigos que “pensam à esquerda”.

A minha mãe era uma pessoa de esquerda assumida que gostava disso fazer alarde. Se, por um lado, nela pontificavam conceitos, posturas e ideias desse posicionamento político, noutras coisas era extremamente conservadora, mas isso não vem agora para o caso.

Longe de mim querer, a propósito disso, partir para uma análise política profunda. Quero, isso sim, aproveitar para falar de uma coisa que a esquerda mais tradicional e tradicionalista tem e que muito a caracteriza (para além da mania de andarem de régua na mão a medir o esquerdismo ou o direitismo das questões e das pessoas). A esquerda, ou parte dela, desculpa tudo à esquerda. Nunca erra ou, se o faz, admite-o com a soberba de quem se acha superior. Transformam o erro em condimento, assim a modos que uma pimenta muito ligeira que quase nunca se nota.

Podem cometer-se as maiores enormidades que isso tem pouca importância... a esquerda desculpa!

A minha mãe era assim... era de esquerda, era bom... se era de direita, era mau. Como eu sou liberal e, como tal, acho que essas dicotomias perdem o sentido, imagine-se as discussões. Acabavam sempre com cada um na sua. Mas não foram poucas as vezes em que o argumento ouvido lhe ficava a saltitar na cabeça e dias depois lá vinha: “tens que me explicar melhor aquilo do “não sei quê”...

Iam-lhe ao bolso. Se o governo era de esquerda é que tinha de ser, se de direita era roubo descarado!

Professora que era, se a direita mexia na educação caía o Carmo e a Trindade, se era de esquerda é que tinha de ser!

Qualquer coisa que a direita fizesse ao nível da cultura era um desastre... o nada que a esquerda foi fazendo era porque somos um país pequenino!

O interessante é o facto de ter sido esta mesma pessoa que me deu todas as ferramentas para que possa, hoje, pensar as coisas. Não me deu uns “óculos” de esquerda ou de direita nem uns que fizessem a destrinça automaticamente. Deu-me a leitura, a arte, a música, ensinou-me a aproveitar todos os sentidos e a tirar deles partido.

No meio das nossas discussões (e são enormes as saudades) tantas vezes lhe chamava a atenção para esta contradição e a resposta era, invariavelmente, a mesma sob a forma de um ditado. Piscava-me o olho e dizia: “faz o que eu digo e não faças o que eu faço!”

5. Consta nos “mentideiros” que no PS começam a surgir as primeiras fissuras na unidade forjada entre os que o são e os que, não precisando de o ser, são quem manda. Fiquemos todos atentos porque ainda vamos ter que nos salvar dos “salvadores”.

6. Ultimamente começa a faltar-me a paciência que tive de tentar fazer ver a certas pessoas, muitas que até considero inteligentes, que a falta de rigor histórico, factual, que a inverdade, podem ser repetidas à exaustão que isso não faz do erro verdade insofismável.

Começa a ser um vale tudo menos tirar olhos, desde que isso sustente o ponto de vista deles. Certo, rendo-me. Fiquem lá com essas “verdades” coxas e sem sentido, com essas “verdades” mentirosas e tontas.

7. “Todas as nossas liberdades são devidas a homens que, quando movidos pela consciência, quebram as leis da nação” – William Kingdom Clifford.